Divina Comédia - Purgatório XXVI - XXIX

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CANTO XXV



Subindo por estreita senda, do sexto ao sétimo e último compartimento, Dante pergunta a Virgílio como podem emagrecer as almas, que não precisam de alimento. Respondem-lhe Virgílio, antes, e depois Estácio. Este fala da geração do corpo do homem, da alma que nele Deus infunde, e da maneira de existência depois da morte. O compartimento no qual acabam de chegar está cheio de flamas, nas quais estão se purificando as almas dos luxuriosos.



PARA subir o tempo nos urgia;
Meridiano ao Tauro o sol já dera,
3 Bem como a noite ao Scorpião cedia

Qual viajor, que o passo não modera,
Que em nada atenta e sempre segue avante,
6 Se em seu querer necessidade impera,

Nós penetramos no rochedo hiante,
Por escada estreitíssima subindo,
9 Que obriga um ir atrás outro adiante.

Da cegonha o filhinho, asas abrindo,
Por voar logo, encolhe-as e não tenta
12 Deixar o ninho, esforço não sentindo:

Tal o desejo em mim ferve e arrefenta
De perguntar chegando quase ao ato
15 De quem para dizer se experimenta.

O Mestre, sem parar, pressente o fato:
— “Tens da palavra o arco” — diz — “tendido,
18 Deixa a seta partir; não sê coato“. —

De confiança então já possuído,
Falei, — “Como é possível fique magro
21 Quem não precisa mais de ser nutrido?” —

— “Se recordaras” — torna — “Meleagro
Que, em ardendo um tição se consumia
24 Isso não fora de entender tão agro.

“Também de fácil crença te seria,
Se no espelho notaras que o teu rosto,
27 Segundo te movesses, se movia.

“Por dissipar-se a dúvida ao teu gosto,
Eis Estácio, a quem rogo fervoroso
30 Seja a dar-te o remédio bem disposto.” —

— “Se eu o eterno conselho explicar ouso”
— Disse Estácio — “quando és, Mestre, presente,
33 Ao teu querer me curvo respeitoso.

“Se, filho, o que eu disser guardas na mente,
Hás de ter — prosseguiu — “esclarecidas
36 Essas dúvidas tuas prontamente.

“Sangue puro, que as veias ressequidas
Não bebem, que de parte permanece
39 Quais viandas em mesas bem providas,

“Do coração tomou que lhe oferece
Virtude de que a forma aos membros veio,
42 Como o que às veias por fazê-los desce;

“Ainda, elaborado, desce ao seio
De canal que não digo; após, unido
45 Em vaso é natural com sangue alheio.

“É ali com outro confundido,
Paciente sendo um, sendo outro ativo,
48 Pela perfeita sede, em que há nascido.

“Trabalho então começa produtivo
Coagulando e depois vivificando
51 O condensado efeito primitivo:

“Em alma a força ativa se tornando,
Como em planta, é, no entanto, diferente:
54 Pára a planta, vai a alma caminhando.

“Prosseguindo, já move-se, já sente,
Como o fungo marinho; e logo emprende
57 Os sentidos, que em si tem qual semente.

“Ora contrai-se, filho, ora se estende
A força genetriz, do peito vinda,
60 Donde natura em todo o corpo entende.

“Mas, filho meu, não sabes certo ainda
Como a ser vem um ente cogitante:
63 É ponto em que um mais sábio no erro finda;

“Pois, na doutrina sua extravagante,
Distinto da alma fez o entendimento
66 Possível, não lhe vendo órgão bastante.

“Abre à luz da verdade o pensamento:
Vê que, no feto os órgãos em chegando
69 Do cérebro ao perfeito acabamento,

“O Primeiro Motor, ledo encarando
Da natureza tal primor, lhe inspira ,
72 Esp’rito, em que virtudes stão brilhando,

“E que ativo alimento dali tira
Para a própria substância; e alma se forma,
75 Que vive e sente e pensa e em si regira.

“Com meu dizer tua mente se conforma,
Notando que do sol calor em vinho,
78 Da uva ao sumo unido, se transforma.

“O esp’rito, se Laquésis não tem linho,
Deixa a carne e virtude, traz consigo
81 Dotes, que teve no corpóreo ninho.

“Sobem de ponto no valor antigo
A memória, a vontade, o entendimento,
84 Da mudez o mais fica no jazigo.

“Cai logo, de espontâneo movimento,
Por maravilha, numa ou noutra riba,
87 Onde há do rumo seu conhecimento.

“Vindo a lugar, que o circunscreva e iniba,
Da força informativa é rodeado,
90 Como em membros que a morte nos derriba.

“Bem como o ar de chuva carregado,
Se dos raios solares é ferido,
93 De cores várias mostra-se adornado,

“O ar vizinho assim fica inserido
Nessa forma, que desde logo amanha
96 Virtualmente o esp’rito ali contido;

“E semelhante ao fogo, que acompanha
Labareda, com ele se movendo,
99 Cada alma segue aquela forma estranha.

“Aparência de forma nela havendo
Sombra se chama; e, após, ela organiza
102 Sentidos, o da vista compreendendo.

“Fala, ri-se, ama, odeia ou simpatiza,
Exala dor, carpindo ou suspirando:
105 Neste monte já tens prova precisa.

“Segundo está sofrendo ou desejando,
Da alma também altera-se a figura:
108 Vê, pois, o que a magreza está causando.” —

Voltando à mão direita, da tortura
Entramos pela estância derradeira:
111 Então preocupou-nos outra cura.

Flamas brotava aqui a ribanceira,
Aura ativa da estrada respirava:
114 Subindo, as rechaçava subranceira.

Ao longe da árdua borda caminhava
Um por um: precipício temoroso
117 De um lado, e do outro o fogo eu receava.

Disse Virgílio: — “Aqui bem cauteloso
Deve aplicar aos olhos seus o freio
120 Quem não quiser dar passo perigoso.” —

Summae clementiae Deus stavam no seio
Do grande incêndio as almas entoando,
123 E de voltar-me o ardor então me veio.

Vi nas chamas espíritos andando:
Aos movimentos seus, aos meus estava
126 Atento, a vista a uns e a outros dando.

E quando aquele cântico findava
Virum non cognosco alto se ouvia,
129 E o cântico em tom baixo renovava.

E, terminando, o coro repetia:
“Diana expulsa da floresta Helice
132 Que o veneno de amor tragado havia.” —

Cantaram; cada qual como antes disse
Esposas e maridos, que hão guardado
135 A fé, que Deus mandou sempre os unisse:

Este modo há de ser, creio, alternado,
Enquanto os rodear a chama ardente:
A chaga por tal bálsamo e cuidado

139 Há de ser guarnecida finalmente.



2-3. Meridiano ao Touro, etc. No hemisfério do Purgatório eram duas horas da tarde e no hemisfério antípoda eram duas horas depois da meia-noite. — 22. Meleagro, personagem de Ovídio ao qual, ao nascer, as fadas predisseram que a sua vida estava ligada a um tição. Sua mãe Altéia guardou o tição para preservar-lhe a vida; mas, depois, irada contra o filho, o lançou ao fogo no qual se consumiu, e Meleagro morreu. — 37-57. Nestes tercetos é descrita a forma da geração humana. — 63. Um mais sábio, o filósofo Averroes que não encontrando no homem um órgão especial para o pensamento, como os olhos para ver, as orelhas para ouvir etc., concluiu que o intelecto era disjunto da alma do homem. — 70. O Primeiro Motor, Deus. — 79. Laquesis, a Parca que fia o estame da vida. — 121. Summae Deus clementiae, hino eclesiástico com o qual se roga a Deus que nos livre da luxúria. — 128. Virum non cognosco, palavras da Virgem Maria ao arcanjo Gabriel. — 131. Helice, ou Calixto, que foi expulsa da sua companhia por Diana, que sempre se manteve virgem, por ter sido seduzida por Júpiter.

CANTO XXVI



Entre os luxuriosos e os que pecaram contra a natureza Dante encontra o poeta Guido Guinicelli, ao qual exprime a sua profunda admiração. Guido lhe aponta o poeta provençal Arnaud Daniel, que o saúda em versos provençais.



ENQUANTO imos a borda costeando.
Um após outro, o Mestre repetia:
3 “Eu te previno, vai com tento andando!’

O sol pela direita me feria;
Purpureava a luz todo o poente:
6 Do céu o azul de branco se tingia.

Co’a sombra minha ainda mais rubente
Parece a flama; e as almas, que passavam,
9 Notando-a davam-me atenção ingente.

Nessa estianheza ensejo deparavam
Para, entre si, conversação travarem.
12 “Não é fictício o corpo seu” — falavam.

Quando podiam, mas tendo cuidado
Avançavam por mais certificarem,
15 O fogo expiatório em não deixarem.

— “Tu, que vais após outros colocado,
Mostrando ser, não tardo, respeitoso,
18 Responde: em fogo e sede ardo, abrasado.

“Não sou eu só de ouvir-te desejoso:
Quantos vês da resposta sentem sede
21 Mais que Etíope da água cobiçoso.

“Diz-nos como o corpo teu parede
Oponha desta sorte à luz do dia:
24 Não te colheu da morte acaso a rede?” —

Uma sombra falou-me. Eu pretendia
Logo explicar; porém fui distraído
27 Pelo que então de novo aparecia.

Pelo caminho andando escandecido,
Outra grei ao encontro veio desta:
30 Atalhei-me, em mirar pondo o sentido.

De parte a parte se dirige presta
Uma alma a outra; osculam-se e em seguida
33 Vão-se, contentes dessa breve festa.

Assim da negra legião saída,
Em marcha, toca em uma outra formiga,
36 Por saber do caminho ou sorte havida.

Separando-se após a mostra amiga,
Antes que o giro sólito transcorra
39 Cada uma grei em brados se afadiga.

— “Sodoma!” — clama a última — “Gomorra!”
E a outra: — “Entrou Pasifae na vaca,
42 Por que à luxúria sua touro acorra.” —

Como grous, de que um bando se destaca
Para os Rifeus e o outro pra o deserto,
45 Pois calma ali e frio aqui se aplaca,

Uns se vão, outros vêm; voltando, ao perto
O hino se renova, e o pranto e o brado,
48 Que tem, qual mais convém, efeito certo.

Os mesmos, que me haviam perguntado,
De mim como inda há pouco, se acercaram:
51 Stá desejo nos gestos desenhado.

Vendo ainda o que já manifestaram,
— “Sabeis vós, que tereis de glória em dia,
54 Paz que os vossos martírios vos preparam,

“Que inda não jaz meu corpo em terra fria;
Comigo vem na própria compostura,
57 Com seu sangue e seus membros” — lhe dizia.

“Minha cegueira aqui a luz procura:
Lá no céu santa Dama há conseguido
60 Que eu, vivo, por aqui me eleve à altura.

“Dizei-me (e seja em breve concedido)
Quanto anelais, no céu, que é de amor cheio
63 E em que espaço mais amplo está contido!

“Para que eu tenha de narrá-lo o meio,
Quem fostes e também que turba é aquela,
66 Que como hei visto ao vosso encontro veio.” —

Se o pasmo seu o montanhês revela,
Quando rude e boçal vê de repente
69 Quanto pode encerrar cidade bela,

Na grei não foi o efeito diferente.
Tornando sobre si, porém, do espanto,
72 Que se esvai logo em peito preminente,

— “Ditoso tu, que vendo o nosso pranto” —
Respondeu quem primeiro há perguntado —
75 “Alcanças ao viver ensino santo!

“Inquinaram-se aqueles no pecado,
Porque César outrora, triunfando,
78 Rainha, em vitupério, foi chamado.

“Eis por que se acusavam se apartando,
Contra si de — Sodoma! alçando o brado,
81 Do fogo à pena o opróbrio acrescentando.

“Hermafrodito foi nosso pecado;
Mas tendo as leis humanas transgredido
84 De brutos no apetite desregrado,

“Por nossa injúria o nome é repetido,
Quando partimos, da mulher impura,
87 Que em bestial figura besta há sido.

“Se queres, vendo a nossa nódoa escura,
Do nome de cada um ser instruído,
90 Não sei, nem tempo para tal nos dura.

“Mas o meu te farei bem conhecido;
Vês Guido Guinicelli: o crime expia
93 Por se haver inda a tempo arrependido.” —

Quais, ante a fúria em que Licurgo ardia,
Os filhos dois achando a mãe, ficaram,
96 Tal senti, sem correr viva alegria,

Quando o nome essas vozes declararam
Do pai meu e do pai de outros melhores,
99 Que em doce metro amores decantaram.

Sem falar, sem ouvir perscrutadores
Longamente olhos meus o contemplaram:
102 Vedavam-me acercar do fogo ardores.

Depois que em remirá-lo se enlevaram,
Ao seu serviço declarei-me presto,
105 E solenes promessas o afirmaram.

— “Imprimiu tal vestígio o teu protesto” —
Tornou — “no peito meu agradecido,
108 Que fora além do Letes manifesto.

“Se hei de ti a verdade agora ouvido,
O que di’no me fez do sentimento,
111 Que tens na voz, nos olhos insculpidos?” —

E eu: — “Das rimas vossas o concento,
Que, enquanto usar-se do falar moderno,
114 Salvas hão de viver do esquecimento.” —

— “O que te indico, irmão” — tornou-me terno
(E seu dedo outra sombra me apontava)
117 Mais primor teve no falar materno.

“Nos versos, nos romances superava
A todos: stultos só dizer ousaram
120 Que o Limosim aquele avantajava.

“Pelo rumor verdade desprezaram,
E, como arte e razão desconheceram,
123 Sem fundamento opinião formaram.

“Assim muitos outrora procederam
Com Guittone e o seu nome hão proclamado;
126 Mas verdade alfim todos conheceram.

“E pois que o privilégio hás alcançado
De entrar nesse mosteiro portentoso,
129 Por Cristo, como abade governado,

“Um Pater Noster diz por mim piedoso;
Quanto mister havemos neste mundo,
132 Onde ato algum não há pecaminoso.” —

“Por dar lugar ao spírito segundo,
Já próximo, no fogo desparece.
135 Qual peixe, quando imerge de água ao fundo.

Acerquei-me da sombra que aparece,
E disse que ao seu nome apercebia
138 Meu desejo o lugar que assaz merece.

Logo assim livremente me dizia:
— “Tão cortês vosso rogo é, que escutando,
141 Me encobrir não quisera ou poderia.

“Arnaldo sou, que choro e vou cantando,
Triste os erros passados meus lamento,
144 E o fausto dia estou ledo esperando.

“E peço-vos pelo alto valimento,
Que da escada a eminência ora vos guia,
Que em tempo vos lembreis do meu tormento.”

148 E, após, ao fogo apurador se envia.



40. Sodoma... Gomorra, V. Inferno, canto XI, 50; cidades que Deus destruiu por pecarem contra a natureza. — 41. Pasifae, V. Inferno, canto XII, 13; mulher do rei de Creta, para unir-se com um touro se colocou numa vaca de madeira; e desta união nasceu o Minotauro. — 44. Rifeus, montanhas da Moscóvia boreal. — 77. César... rainha, em vitupério, foi chamado, conta Suetônio que os soldados de César, no triunfo que lhe foi concedido por ter vencido os Galos, cantavam: “César submeteu as Gálias, Nicomedes a César”, aludindo às suas relações com o rei Nicomedes. — 92. Guido Guinicelli, célebre poeta bolonhês n. em 1230 e m. em 1276. — 94-95. Quais, ante a fúria etc., Ipsifile condenada à morte por Licurgo, rei da Neméida, mas foi salva pelos dois filhos que, antes, não a conheciam. — 115. O que te indico etc., o trovador Arnaud Daniel, que viveu na metade do século XII. — 120. O limosim, Gerault de Berneil de Limonges, outro trovador provençal. — 125. Guittone de Arezzo, poeta aretino do sécuio XII.

CANTO XXVII



Para chegar à escada que do sétimo e último compartimento leva ao cimo do monte, Dante é obrigado por um Anjo a atravessar as flamas. Pouco depois de ter começado a subir, o ar escurece e sobrevém a noite. Param e Dante, cansado, adormece. Despertado pela madrugada, os Poetas recomeçam a subir, chegando ao Paraíso Terrestre.



COMO, quando os primeiros raios vibra
Lá onde Cristo sangue derramara,
3 Sotopondo-se o Ebro à excelsa Libra,

E, ao meio-dia, o Gange aquece e aclara
Stava o sol; declinando a luz já se ia:
6 Eis ledo o anjo de Deus se nos depara.

Fora da flama, à borda ele se erguia,
Beati mundo corde modulando.
9 Em tom de voz, que a humana precedia.

“Para avante passar” — acrescentando —
“Apurai-vos no fogo, almas piedosas!
12 Entrai, de além nos hinos atentando.”

Lhe ouvindo ao perto as vozes sonorosas,
Sossobrei, como quem, perdido o alento,
15 Da tumba às trevas desce pavorosas.

Mãos cruzadas, quedei sem movimento;
De olhos na chama, os vivos relembrava,
18 Que das fogueiras vira no tormento.

A mim cada um dos Vates se voltava.
— “Não temas, filho! Aqui dor se padece,
21 Mas não morte” — Virgílio me exortava.

“Lembra! Lembra ou memória em ti falece?
Já sobre Gerião levei-te a salvo:
24 De Deus mais perto, em mim virtude cresce.

“Se destas chamas, crê, tu foras alvo
Em todo o espaço de um milheiro de anos,
27 De um só cabelo ficarias calvo.

“Se cuidas no que digo haver enganos,
Te acerca e por ti próprio experimenta,
30 Ao fogo expondo de tua veste os panos.

“Todo o temor do ânimo afugenta!
Vem, pois! Mostra que tens peito seguro!” —
33 Ouvi, mas o valor meu não se aumenta.

Vendo-me ainda pertinace e duro,
Merencório me disse: — “Ó filho amado,
36 De Beatriz a ti só este muro!” —

De Tisbe ao nome, Píramo chegado
À morte, os olhos para vê-la abria,
39 Quando há seu sangue à amora cor mudado;

A resistência minha assim cedia.
A Virgílio volvi-me, o nome ouvindo,
42 Que sempre o pensamento me alumia.

Então a fronte meneou; sorrindo,
Como a infante, que um pomo há seduzido,
45 Disse: — “Aqui ficaremos persistindo?” —

Sou por ele no fogo antecedido;
Estácio, que antes sempre caminhara,
48 Depois de mim seguia a seu pedido.

Eu pelo fogo apenas penetrara,
Ardor tanto senti, que, pra recreio,
51 Em vidro derretido me lançara.

De confortar-me procurando o meio,
De Beatriz Virgílio assim falava:
54 — “Seu gesto julgo ver de fulgor cheio.” —

Voz peregrina ouvi, que ali cantava:
Fora saímos nós, dos sons guiados,
57 Na parte, onde a subida se mostrava.

— “Vinde, ó vós de meu Pai abençoado!” —-
Do seio de um luzeiro retinia,
60 Tal que os olhos cerram-se ofuscados.

“Transmonta o sol, a noite segue ao dia,
Não vos detende; a passo andai ligeiro,
63 Que o Ponente já trevas anuncia.” —

A trilha no penhasco sobranceiro
Direita sobe à parte em que tolhia
66 A sombra minha o lume derradeiro.

Vencido apenas nosso passo havia
Alguns degraus, a sombra, que fenece,
69 Mostra que o sol já luz não difundia.

Antes que em todo apresentado houvesse
O imenso horizonte igual aspeito,
72 E a noite os seus véus todos estendesse,

Um degrau cada qual tomou por leito;
Que nos tirara da montanha a agrura,
75 Mais que o desejo de subir o jeito.

Como as cabras das penhas sobre a altura,
Antes de fartas, rápidas e ardentes,
78 Têm, ruminando, mansidão, brandura;

Pousam à sombra, enquanto o sol candentes
Lumes despede, e as guarda o pegureiro
81 Com seu cajado e os olhos previdentes;

E como o guardador, que no terreiro
Quedo pernoita em sentinela aos gados
84 Contra assaltos do lobo carniceiro:

Assim nós três estávamos pousados,
Eu como cabra, os Vates quais pastores,
87 Da rocha a um lado e a outro conchegados.

Escassa aberta deixa ver fulgores
De estrelas, que do céu naquela parte,
90 Contemplava mais lúcidas, maiores.

Nessa vista engolfei-me por tal arte,
Que o sono me prendeu, sono que à mente
93 Do que há de ser a provisão comparte.

Naquela hora em que Vênus do Oriente
Seus lumes sobre o monte difundia,
96 Parecendo de amor star sempre ardente,

Jovem formosa em sonho ver eu cria,
Dama que em veiga amena passeando,
99 Flores colhendo, a modular dizia:

— “Quem meu nome pedir, vá me escutando:
Sou Lia e uma grinalda, cuidadosa,
102 Co’as minhas belas mãos a tecer ando.

“Mirar-me, hei-de no espelho mais garbosa:
De sua mana, Raquel se não separa,
105 Sentada o inteiro dia descuidosa.

“De ver os belos olhos seus não pára,
Como eu em me adornar sou diligente:
108 Ela contempla, eu trabalhar tornara!”

Já vem do dia o precursor splendente,
Que tanto alenta a esp’rança ao peregrino,
111 Quando o seu lar já próximo pressente.

Fugia a treva ao lume matutino
— E com ela o meu sono: ergui-me ativo,
114 Dos mestres tendo no exemplo o ensino.

— “O pomo, que é tão doce, quanto esquivo,
Que a ambição dos mortais procura ansiosa,
117 Hoje à fome há de dar-te o lenitivo.” —

Estas palavras proferiu donosa
Do Mestre a voz: janeiras não dariam
120 Jamais satisfação tão graciosa.

Tão vividos anelos me pungiam
De alar-me ao cimo excelso, que julgava
123 Que asas o passo meu favoreciam.

Quando a comprida escada terminava
E o pé firmamos no degrau superno,
126 Virgílio, me encarando, assim falava:

— “O fogo temporário e o fogo eterno
Tens visto, filho, e a altura hás atingido.
129 Além de cuja extrema não discerno:

“Te hei com engenho e arte conduzido:
Seja-te agora o teu querer o guia;
132 Angústias e fraguras tens vencido.

“Olha: o semblante o sol já te alumia;
Flores, ervinhas, árvores virentes
135 Vê que a terra espontânea brota e cria.

“Antes que os olhos venham refulgentes,
Que em teu prol me enviaram por seu pranto,
138 Repousa, ou pelos prados vai florentes.

“Não mais te falo, nem te aceno, entanto;
Possuis vontade livre, reta e boa,
Cumpre os ditames seus: a ti, portanto,

142 Pois de ti és senhor, dou mitra e c’roa.



1-5. Como, quando os primeiros raios etc. O sol surgia em Jerusalém; na Espanha era meia-noite. No Purgatório o sol tramontava. — 8. Beati etc., bem-aventurados os limpos de coração porque eles verão a Deus (S. Mateus, Evang. V, 8). — 23. Gerião etc., v. Inf XVII. — 101. Lia, filha de Labão e primeira mulher de Jacó, símbolo da vida ativa. — 104. Raquel, irmã de Lia e segunda mulher de Jacó, símbolo da vida contemplativa.

CANTO XXVIII



O Poeta descreve a beleza do Paraíso Terrestre. Chegam Dante, Virgílio e Estácio perto de um rio que os impede de prosseguir. Do outro lado do rio aparece uma mulher de maravilhosa beleza que discorre a respeito da condição do lugar, resolvendo as dúvidas que Dante lhe propõe.



VAGAR já nos recessos desejando
Da selva divinal, vivida espessa,
3 Que ao novo dia o lume faz mais brando,

Daquela encosta a me afastar dou pressa.
Pela veiga me interno a passo lento,
6 Doce aroma sentindo, que não cessa.

Do ar, que circulava, o doce alento,
Mas sempre igual, a fronte me afagando,
9 Tinha o bafejo de suave vento.

As folhas, molemente balouçando,
Do santo monte à parte se inclinavam,
12 A que a sombra primeira vai baixando.

Mas, no meneio seu, não se acurvavam
Em modo, que na rama aos passarinhos
15 Os hinos perturbassem, que entoavam.

Pousados ledamente entre os raminhos
Saudavam com seus cantos a alvorada
18 Da fronde os acordando aos murmurinhos;

Assim de Chiassi no pinhal soada
De ramo em ramo corre quando a amara
21 Prisão, abre ao mestre Eolo a entrada.

Com demorado andar eu caminhara
Na selva antiga tanto, que não via
24 Mais o lugar, por onde penetrara.

Eis andar um ribeiro me tolhia,
Que, à sestra deslizando-se, beijava
27 A ervinha, que às margens lhe crescia:

O cristal dessa linfa superava
Da terra água a mais pura e transparente;
30 Quanto continha em si patente estava.

Entanto, pela sombra permanente,
Que luz da lua ou sol nunca atravessa,
33 Negreja aquela plácida corrente.

O pé detenho, e a vista se arremessa
Além do humilde rio, contemplando
36 Primores, com que maio se adereça,

Então se of’rece aos olhos, como quando
De súbito um portento surge à mente,
39 De outro pensar qualquer a desviando,

Uma dama sozinha de repente,
Que, cantando, escolhia, de entre as flores,
42 Que o chão cobriam de matiz ridente.

— “Bela dama, que sentes os fervores
Do amor divino, se por teu semblante
45 Da tua alma julgar devo os ardores” —

Assim falei — “se caminhar avante
Até perto do rio te aprouvera,
48 Te entendera esse canto inebriante.

“Tão linda, em tal lugar, lembras qual era
Prosérpina, ao perdê-la a mãe querida
51 E ao perder também ela a primavera.” —

Qual menina, que em danças entretida,
Gira ligeira em terra deslizando,
54 Os passos troca e volve-se garrida,

Sobre o esmalte das flores se voltando,
A mim se dirigiu, como donzela
57 Que vai, modesta, os olhos abaixando.

Quanto o desejo meu sôfrego anela
Acercou-se e da angélica toada
60 Distinta pude ouvir a letra bela.

Logo em chegando à borda em que banhada
A erva era da linfa cristalina,
63 De olhar-me fez a graça assinalada.

Não creio que na vista peregrina
De Vênus lume tal resplandecesse
66 Ao feri-la de amor seta mali’na.

De fronte aos olhos a sorrir se of’rece.
As mãos de lindas flores tendo plenas,
69 De que espontâneo o solo se guarnece.

A nós três passos interpõem apenas:
O Helesponto que Xerxes transcendera,
72 Lição em que há para os soberbos penas,

Em Leandro mais ódio não movera,
Quando entre Sesto e Ábidos nadava,
75 Do que o rio que tanto estorvo me era.

— “Sois recém-vindos” — ela assim falava —
“Meu riso ao ver-vos no lugar eleito
78 À humana raça, quando à luz brotava,

“Talvez vos maravilhe por suspeito.
Se lembrado o salmo Delectasti,
81 De todo o engano vos será desfeito.

“Tu, que estás adiante e me falaste
Que mais ouvir desejas? Eis-me presta
84 Explicação a dar-te, quanto baste.” —

— “Esta água” — torno — “e o som desta floresta
Opõem-se à minha fé na maravilha.
87 Que eu tinha ouvido e que é contrária a esta.” —

— “Eu te direi a causa, de que é filha
A razão que te move essa estranheza;
90 Terás, em vez de névoa, a luz que brilha.

“O Bem, que em si somente se embeleza,
Apto ao bem fez o home’; em arras deu-lhe
93 De eterna paz à edênica riqueza.

“A culpa sua este alto dom tolheu-lhe;
A culpa sua em prantos, em desgostos
96 Os prazeres, os risos converteu-lhe.

“A fim de que efeitos, que, compostos
São de eflúvios das águas e da terra,
99 Para o calor acompanhar dispostos,

“Ao homem não fizessem qualquer guerra,
Tão alta há se elevado esta montanha,
102 Que é livre desde o ponto onde se encerra.

“E porque todo o ar, por força manha,
Roda ao impulso do motor primeiro,
105 Quando estorvo nenhum seu giro acanha,

“Este cimo elevado e sobranceiro
Pelo éter vivo ao moto é tão batido,
108 Que o denso bosque remurmura inteiro:

“E sendo em cada um tronco percutido,
A virtude transmite fecundamente
111 Ao ar, que a esparge, em torno revolvido.

“A terra, como é apta, circunstante
Por si ou por seu céu plantas concebe
114 De gênero e virtude variante.

“E pois, já claramente se percebe
Como planta há viçosa e florescente,
117 Quando o germe a terra não recebe.

“Sabe que até jardim toda semente
Do que a terra produz em si compreende
120 E contém fruto inoto à humana gente.

“Esta água de uma origem não depende,
Que alimente vapor que em chuva desça,
123 Como rio que seca ou que se estende.

“De fonte certa vem que nunca cessa,
Pois por querer que Deus tanta dimana,
126 Quanta aqui por canais dois se arremessa.

“A que neste álveo que ora vês, se encana
Memória do pecado desvanece,
129 Aviva a outra a da virtude humana.

“É Letes, se por ela o mal se esquece,
Eunoé quando lembra: atuam quando
132 O gosto de uma e de outro homem conhece.

“Saber igual aos outros comparando
Não existe ao desta água. Ao teu pedido
135 Satisfação hei dado assim falando.

“Corolário, porém, lhe seja adido:
Não receio que assim te desagrade,
138 Indo além do que fora prometido.

“Poetas que cantavam de ouro a idade
E sua dita, em Parnaso, certamente
141 Sonharam desta estância a f’licidade.

“Estirpe humana aqui fora inocente;
Eterna primavera aqui domina;
144 Foi este néctar, que inventou sua mente.” —

Então a vista aos Vates se me inclina.
Um sorriso em seus lábios se revela,
Esse conceito ouvindo, em que termina.

148 Rosto volvi depois à dama bela.



19. Chiassi, localidade (hoje destruída) perto de Ravena, onde ainda há um grande pinheiral. — 21. Éolo, rei dos ventos. — 40 Uma dama, Matelda, como Dante dirá no Canto XXXIII, v. 119. Para a maior parte dos comentadores é Matilde, condessa de Canossa. — 50. Prosérpina, filha de Ceres que foi raptada por Pluto quando colhia flores no vale do Etna. — 71. O Helesponto, o estreito dos Dardanelos que Xerxes, rei da Pérsia, atravessara com uma ponte de barcos para invadir a Grécia, e que, derrotado, teve de atravessar novamente. — 73. Leandro, etc. Leandro todas as noites atravessava a nado o Helesponto, da sua cidade Ábido a Sesto, onde morava a sua amante Heros. — 80. Delectasti etc., Salmo XCI, 5. — 130. Letes, o rio do esquecimento. — 131. Eunoé, o rio da boa recordação.

CANTO XXIX



Da floresta aparece um súbito esplendor. Dante vê avançar uma procissão de espíritos bem-aventurados em cândidas vestes, e, no fim da procissão, um carro tirado por um grifo. Ouve-se um trovão e o carro e o grifo param.



AS vozes, que eu lhe ouvia, ela remata,
Qual dama namorada, assim cantando:
3 Beati quorum tecta sunt peccata!

Como das ninfas o formoso bando,
Que nas umbrosas selvas sós andavam,
6 Qual ver, qual evitar o sol buscando:

Contra o ribeiro os passos a levavam,
Sobre a margem seguindo lentamente;
9 E pelos seus os meus se regulavam.

Cinqüenta assim andáramos somente,
Quando o álveo curvou a linfa pura,
12 E, pois, da banda achei-me do oriente.

Pouco éramos avante na espessura,
Eis, voltando-se, a dama desta sorte
15 Falou-me: — “Escuta, irmão, e ver procura.” —

Refulge de repente uma luz forte,
Por todo o espaço imenso da floresta.
18 Relâmpago julguei, que os ares corte.

Mas luz após relâmpagos não resta;
E o fulgor mais e mais resplendecia.
21 Disse entre mim: — “Que maravilha é esta?” —

Pelo ar luminoso se esparzia
Dulcíssima harmonia: e em zelo ardendo
24 De Eva o feito imprudente eu repreendia,

Pois, céu e terra a Deus humildes vendo,
A mulher só, que a vida começara,
27 Violava o preceito, os véus rompendo.

Se fiel fora e as ordens respeitara,
Mais cedo e por mais tempo essa morada,
30 Em delícia inefável, eu gozara.

Prosseguia, tendo a alma transportada
Nas primícias da eterna f’licidade,
33 Em desejos mais vivos abrasada,

Quando vimos de intensa claridade
Sob a rama tornar-se o ar brilhante
36 E o som tomou de um hino a suavidade.

Ó Musas, santas virgens, se, constante
Fome, frio, vigílias hei sofrido,
39 Da mercê vos rogar assoma o instante:

Das águas de Hipocrene bem provido
Para em metro cantar idéia imensa
42 De Urânia e das irmãs seja eu valido!

De ver, um tanto além, eu tive a crença
Árvores sete de ouro: era aparência,
45 Emprestava a distância parecença.

Mas, quando me acerquei, quando a evidência
Provou-me quanto a semelhança engana,
48 Dando das cousas falsa inteligência,

A faculdade, que à razão aplana
O discurso, fez ver distintamente
51 Candelabros e ouvir no hino: Hosana!

Cada qual flamejava refulgente,
Mais que no azul do céu rebrilha a lua
54 Da noite em meio, em seu maior crescente.

De pasmo, que no espírito me atua,
A Virgílio me volto; ele me encara:
57 Também revela espanto a vista sua.

Tornei-me ao lampadário, que não pára,
Prosseguindo, porém, solene e lento:
60 Noiva ao altar mais presta caminhara.

Eis a dama gritou-me: — “Por que atento
Às vivas luzes stás com tanto excesso,
63 Que desvias do mais o pensamento?” —

Trajadas de alva cor a ver começo
Pessoas, que os luzeiros têm por guia:
66 Candor igual na terra não conheço.

Do rio a linfa à sestra resplendia:
Espelho, minha imagem, desse lado,
69 Oscilando, aos meus olhos refletia.

Dos lumes tanto estava apropinquado,
Que pelo rio só fiquei distante:
72 Parei, por ver melhor, maravilhado.

Esses clarões eu vi passar avante;
Trás si no ar matiz vário espalhavam,
75 A pendões desfraldados semelhante.

Sete listras bem claras desenhavam,
As cores que contém de Delia o cinto
78 Ou stão do sol no arco, figuravam.

Cada estandarte, atrás asas distinto,
Se perdia â vista; entre eles pareciam
81 Dez passos se no cálculo não minto.

Por baixo de tão belo céu seguiam
Vinte e quatro anciões emparelhados:
84 Brancos lírios as frontes lhes cingiam.

Todos cantavam juntos: compassados
— “Entre as filhas de Adam sejas bendita!
87 Benditos teus excelsos predicados.” —

Quando da margem bem de fronte sita,
De fresca relva e flores guarnecida,
90 A grei se foi que alcançava a santa grita,

Como no céu a luz de outro é seguida,
Quatro animais após se apresentavam,
93 Coroados de fronde entretecida:

A cada qual seis asas adornavam,
Cobertas de olhos tantos, quantos Argo
96 Tinha, quando os seus vida gozavam.

De descrevê-los não faço cargo,
Leitor; a tanto ora me falta ensejo:
99 Nem posso neste ponto ser mais largo.

Contenta Ezequiel o teu desejo:
Ele os viu, que, do norte se arrojando,
102 Vinham com vento, nuve’, ígneo lampejo.

Como os pintou, estava os contemplando:
Dif’rença quanto às asas há somente;
105 João eu sigo, Ezequiel deixando.

Entre os quatro volvia resplendente
Com dupla roda um carro triunfante,
108 Por um grifo tirado altivamente,

As asas estendendo ia pujante;
No meio às listras três de cada lado,
111 Sem nenhuma empecer seguia avante.

Não sobe a vista ao ponto sublimado
A que se erguem; são d’ouro os membros d’ave
114 No mais o róseo e o níveo misturado.

Roma um plaustro não viu tão belo e grave
Do Africano em triunfo ou no de Augusto;
117 O do sol fora ante ele humilde trave:

Esse que, transviado foi combusto,
Da Terra quando as súplicas bradaram
120 E em seus arcanos Júpiter foi justo.

Dançando à destra aos olhos se mostraram
Três damas: tão rubente uma parece,
123 Que chamas se a cercassem a ocultaram.

A segunda tão verde resplandece,
Como composta de esmeralda bela;
126 A candura da neve outra escurece.

A dança dirigindo, se desvela
Ora a branca ora a rubra: o canto desta
129 Detém, apressa o passo ao querer dela,

À sestra fazem outras quatro festa
De púrpura vestidas: uma guia
132 As outras e três olhos tem na testa.

Dous anciões no couce depois via
Dif’rentes no vestir; mas igualdade
135 Nos gestos seus e acatamento havia.

Aluno um parecia na verdade
De Hipócrates sublime que criado
138 Natura tem por bem da humanidade.

Mostrava o companheiro outro cuidado
Trazendo espada tão aguda e clara,
141 Que onde eu stava de susto fui tomado.

De humilde aspeito a vista me depara
Mais quatro: segue o velho, que, distante,
144 Cerra os olhos mas luz a face aclara.

Os sete como os quatro de diante
Trajando a fronte sua têm cingida,
147 Não de c’roa de lírios alvejante,

Mas de purpúreas flores rubescida:
Um tanto longe ao vê-los me parece,
150 Que a testa a cada qual stava incendida.

E, quando o carro em face me aparece,
Rompe um trovão e a santa companhia,
Atendendo ao sinal pronta obedece:

154 Pára o cortejo e quanto o antecedia.




3. Beati quorum tecta sunt peccata, Salmo XXX, l: “Bem-aventurados aqueles cujos pecados são perdoados.” — 42. Urânia, a musa da astronomia. — 51. Candelabros, S. João no Apocalipse vê sete candelabros de ouro; símbolos dos sete sacramentos ou dos sete dons do Espírito Santo. — 83-84. Vinte e quatro anciões, v. Apocalipse IV, 4; símbolo dos vinte e quatro livros do Velho Testamento. — 92-93. Quatro animais, símbolo dos quatro evangelhos. — 95. Argo, monstro mitológico, que possuía cem olhos. — 100. Ezequiel, profeta de Israel, autor de um livro do Velho Testamento, v. I, 4. — 105. João, Apocalipse IV, 6-8. — 107. Com dupla roda um carro, a Igreja Católica; as duas rodas simbolizam o Velho e o Novo Testamento. — 108 Grifo, animal mitológico, metade leão e metade águia; símbolo de Jesus Cristo, com as duas naturezas, humana e divina. — 118-120 Esse que, transviado, foi combusto, Fetonte que tentou guiar o carro do Sol, porém, a rogos da Terra, foi fulminado por Júpiter. — 122-129. Três damas, as três virtudes teologais: fé, esperança e caridade. — 130-132. Outras quatro, as quatro virtudes cardiais: justiça, fortaleza, temperança e prudência. A prudência tem três olhos (como diz Sêneca, vigia o presente, prevê o futuro e lembra o passado). — 133-135. Dois anciões, S. Lucas e S. Paulo. — 143. Mais quatro, S. Pedro, S. João, S. Tiago e S. Judas, escritores das Epístolas canônicas. — 143-144. O velho, S. João que, parece, quando escreveu o Apocalipse estava perto dos noventa anos. (É preciso notar que os escritores sacros são apresentados em vários aspectos, conforme os seus livros; por isso alguns entre eles são repetidos).


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