Divina Comédia - Paraíso XXIV - XXVIII

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CANTO XXIV



Beatriz roga aos santos que iluminem o intelecto de Dante. Eles manifestaram o seu assentimento. O mais luminoso entre os santos, S. Pedro, aproxima-se mais do Poeta, o interroga sobre a Fé. O apóstolo aprova inteiramente as respostas de Dante o abençoa, cingindo-o três vezes com o seu esplendor.



“Ó SODALÍCIO, à ceia convidado
Do cordeiro de Deus, que dá sustento
3 Tal, que o apetite heis sempre saciado,

Se inda antes de chegar ao passamento
Preliba este homem — assim Deus dispensa —
6 Da mesa, em que comeis, tênue fragmento:

Alívio dai-lhe em sua sede imensa.
Na fonte sempre hauris, de que deriva
9 Quanto ele, sôfrego aspirando, pensa.” —

Disse então Beatriz. Com flama viva,
À guisa de cometa, a grei contente,
12 Como esferas em pólos, gira ativa.

Em relógio quem põe atenta a mente,
Das rodas uma cuida estar sem moto
15 E correndo estar outra velozmente:

Pelo vário compasso que lhes noto
Nas coréias, já lento, já apressado,
18 Da glória sua a estimativa adoto.

Do círc’lo em mor beleza assinalado
Um lume vi surgir tão venturoso,
21 Que outro nenhum ficara avantajado.

Em torno a Beatriz girou formoso
Por vezes três com tão divino canto,
24 Que trasladar não posso o som donoso.

Screver não cabe à pena enlevo tanto,
Cores não tem palavra ou fantasia,
27 Que exprimam propriamente o doce encanto.

— “Santa irmã nossa, que dessa arte envia
Devotos rogos, teu ardente afeito
30 Dessa bela coréia me desvia.” —

Parando, o bento lume ao claro aspeito
De Beatriz o sopro há dirigido,
33 Que falou do que eu disse pelo jeito.

— “Eterna luz desse varão subido,
Que de Deus” — torna — “as chaves da alegria
36 Que infinda à terra deu, hás recebido,

“Deste homem como queiras avalia
O saber sobre a Fé lhe perguntando,
39 Pela qual sobre o mar andaste um dia.

“Se bem crê, se bem spera, terno amando,
Certo sabeis, pois tens fitado a vista
42 Onde tudo se está representando.

“Mas como cidadãos o céu conquista
Pela Fé verdadeira, para honrá-la
45 Explique ele por que na Fé persista.” —

O bacharel apresta-se e não fala
Té que o Mestre a questão haja of’recido,
48 Por aprová-la, não por terminá-la:

Assim, de todas as razões munido,
Dispus-me, enquanto Beatriz se explica,
51 A tal assunto, por tal Mestre arguido.

— “Teu pensar, bom cristão, me significa:
O que é Fé?” — Presto, ouvindo, o rosto alçava
54 Para a luz, que a questão desta arte indica.

Voltei-me a Beatriz: já me acenava
Para que sem detença água fizesse
57 Brotar da interna fonte, onde a guardava.

— “A graça, que concede eu me confesse
Ao sublime Primópilo” — assim digo —
60 “Permita que os conceitos claro expresse!

“Como escrito, Pai meu,” — depois prossigo —
“Foi com verdade pelo irmão amado,
63 Que Roma em bom caminho pôs contigo,

“É a Fé a substância do esperado
E argumento evidente do invisível:
66 Da Fé a essência assim tenho julgado.” —

Tornou-me: — “O parecer teu é plausível,
Se o porque foi substância definida
69 E argumento te fica inteligível.” —

— “De mistérios” — disse eu — “soma crescida,
A mim nestas esferas revelada,
72 Está na terra aos olhos escondida.

“Sua existência em crença é só firmada,
Em que se fundamenta alta Esperança:
75 Substância, pois, tem sido intitulada.

“E como em crença o raciocínio lança
As premissas sem ter mais outra vista,
78 Por isso de argumento o nome alcança.” —

— “Se quanto lá na terra homem conquista
Por doutrina, assim fosse comprendido,
81 Lugar faltava ao engenho do sofista” —

Daquele aceso amor foi respondido;
E mais: — “Nesta moeda examinado
84 Metal e peso muito bem tem sido.

“Mas diz: na bolsa a tens arrecadado?” —
— “Sim” — tornei — “tão redonda é, tão polida,
87 Que do bom cunho estou certificado.” —

A voz então, desse esplendor saída
Perguntou-me: — “Essa pedra preciosa,
90 Em que toda virtude se acha erguida

“Donde a tens?” — Eu: — “A chuva copiosa,
Pelo Espírito Santo derramada
93 Na Lei antiga e nova portentosa,

“Razão é, porque foi-me demonstrada
Com agudeza tal, que outra seria
96 Obtusa, se lhe fora comparada.” —

— “Porque divina lei pareceria
A nova e a antiga” — a voz logo retorna —
99 “Que a tão profunda convicção te guia?” —

— “É prova que a verdade clara torna
De obras a série” — eu disse — “a que natura
102 Nunca ferro aqueceu, bateu bigorna.” —

A luz me replicou: — “Quem te assegura
Que as obras fossem tais? Quem defendido
105 Por provas deve ser. Quem mais to jura?

Então falei: — “Se o mundo convertido
Sem milagres de Cristo à lei se houvesse,
108 Este o maior milagre houvera sido;

“Porque pobre, em jejum, para ter messe
Semeado hás na terra ótima planta:
111 Onde foi vinha, hoje espinhal só cresce.” —

Mal concluía, quando a corte santa
Nas esferas — Louvemos Deus! — entoa
114 Nessa toada, em que no céu se canta.

Do sublime Barão, que até a c’roa
De ramo em ramo me elevado havia,
117 Naquele exame, a voz de novo soa.

— “A graça com tua mente consorcia
Tanto, que por teus lábios tem falado:
120 Té aqui respondeste o que cumpria.

“Dou, pois, assenso ao que me tens tornado;
Mas tua crença exprime, lhe acrescendo
123 De que fonte à tua alma ela há brotado.” —

— “Ó Santo Padre, ó Spírito, que vendo
Stás quanto creste, tanto que chegaste
126 Ao Sepulcro, o mais moço antecedendo,

“Direi” — lhe torno — “(assim determinaste)
Da minha Fé a fórmula evidente,
129 Sua origem direi como ordenaste.

“Em um só Deus eu creio onipotente,
Eterno, que, imutável, os céus move
132 No desejo e no amor sempre clemente.

“São, para que tal crença se comprove,
Metafísica e física discretas;
135 Mas da verdade a prova também chove

“Por Moisés, pelos salmos, por profetas,
Pelo Evangelho e escritos, que inspirado
138 Vos tem o Esp’rito Santo, almas seletas.

“Nas Três Pessoas creio afervorado;
Creio na essência delas Una e Trina,
141 Tanto que é stá com são bem conjugado.

“O que de altos mistérios da divina
Condição digo, em traços mil se assela
144 Em mim pela evangélica doutrina.

“Este o princípio, esta a fagulha bela,
Que depois se dilata em flama ardente
147 E em mim cintila, qual nos céus estrela.” —

Qual patrão, que de servo diligente
Aprazíveis notícias escutando,
150 Feito o silêncio, o abraça de contente,

Assim, quando acabei, me abençoando
E cantando, três vezes me acercava
O esplendor apostólico, mostrando

154 Das respostas que eu dei quanto folgava.



20. Um lume, S. Pedro. — 39. Pela qual sobre o mar andaste um dia, sobre as águas do Mar de Tiberíade, S. Mateus, Ev. XIV. — 59. Primópilo, assim chamava-se, no exército romano, o centurião da primeira coorte; aqui indica S. Pedro. — 62. Irmão amado, S. Paulo. - 64-66. A fé etc., Dante repete a definição que da fé deu S. Paulo na Epístola aos Hebreus, XI, 1. — 98. A nova e a antiga, o novo e o velho testamento. — 106-108. Se o mundo convertido etc., Dante repete a argumentação de S. Agostinho, De Civ. Dei, livro XXIV, cap. 5. — 125-126. Que chegaste ao sepulcro etc. S. Pedro chegou ao sepulcro de Jesus, depois da ressurreição, antes de S. João Evangelista. João XX, 1-9.



CANTO XXV



S. Tiago examina o Poeta sobre a Esperança, perguntando em que ela consiste, se ele a possui, de onde veio nele. À segunda pergunta responde Beatriz; às outras duas responde Dante. Aproxima-se S. João Evangelista, e diz a Dante que o seu corpo, apesar da comum opinião, morrendo, ficara na Terra.



SE este sacro poema houver podido
(Em que tem posto a mão o céu e a terra
3 E em que hei por tanto tempo emagrecido)

Aquele ódio abrandar que me desterra
Do belo aprisco, onde eu dormi cordeiro,
6 Contrário aos lobos, que lhe movem guerra;

Com voz e lã melhor que de primeiro
Voltando, eu do batismo sobre a fonte
9 Hei-de, vate, cingir-me de loureiro;

Pois lá entrei na fé, que uma alma insonte
Aproxima de Deus e causa há sido
12 De girar Pedro em torno à minha fronte.

Então a nós um lume vem saído
Da grei, a que a primeira pertencia
15 Dos vigários, que há Cristo instituído.

Beatriz, resplendente de alegria,
— “Olha!” — me disse — “Eis o Barão famoso
18 Por quem vai-se à Galízia em romaria!

Quando à consorte acerca-se amoroso
O pombo, cada qual mostra, girando
21 Entre arrulhos o ardor seu amoroso:

Os dois Príncipes vi tão ledos, quando
Da glória sua no esplendor se acolhem
24 O manjar, que se frui no céu louvando.

Depois que as saudações entre si colhem
Coram me cada um tácito fica
27 Com tais clarões, que de os olhar me tolhem.

Sorrindo, Beatriz assim se explica:
— “Ó alma egrégia, por quem foi descrita
30 Delícia, de que a nossa igreja é rica,

“Aqui a Esp’rança faz ouvir bendita:
Mostraste-a, toda vez que aos três há dado
33 Jesus de vê-lo em sua Glória a dita.” —

— “Ergue o rosto com spírito esforçado,
Pois da terra quem sobe a tanta altura
36 Ser deve ao brilho nosso afeiçoado.” —

O ânimo desta arte me assegura
A luz segunda; a vista, pois, levanto
39 Aos montes, cujo lume a fez escura.

— “Se o nosso Rei te há dado favor tanto,
Que vês os condes seus antes da morte
42 Do seu palácio no recinto santo,

“Porque, vindo é verdade desta corte,
A Esperança, que tanto os homens prende,
45 Em ti, nos mais o coração conforte.

“O que ela seja diz, como se acende
Em tua alma; diz donde se origina.” —
48 Estas palavras inda o santo expende.

E quem as plumas conduziu beni’na
Das asas minhas neste vôo ingente,
51 Tornou, por que a resposta me previna:

“A militante Igreja um mais ardente
Filho não tem na Esp’rança, como escrito
54 É no Sol, que alumia a nossa mente.

“Eis por que Deus permite que do Egito,
Para ver a Sião tinha chegado
57 Antes de estar o tempo seu prescrito.

“Os outros pontos dois lhe hás perguntado,
Somente por que à terra ele respira
60 Quanto és desta virtude deleitado.

“Lhos deixo, sem que assim vangloria aufira;
Poderá responder ao teu contento,
63 Se a Graça divinal o alenta e inspira.

“Como discíp’lo, que a seu Mestre atento
De assunto fala, em que é perito e experto, —
66 Folgando de mostrar zelo e talento,

“Esperança é” — disse tu — “guardar certo
Da Glória, pela Graça produzida
69 E mérito provado e descoberto.

“Sendo luz de astros muitos procedida,
Pelo sumo cantor do Sumo Guia
72 Foi-me primeiro na alma introduzida.

“Espere em ti — na excelsa Teodia
Disse — aquele, que o nome teu conhece:
75 Com fé como eu, quem não conheceria?

“Como seu rocio, também sobre mim desce
O da Epístola sacra e, redundante,
78 Outros inunda a chuva, que recresce.”

Falava assim: do seio coruscante
Daquele incêndio tremulava chama,
81 Qual relâmpago, súbita, incessante.

Respondeu-me: — “Esse amor que inda me inflama
Pela virtude, que me dera alento
84 No martírio, ao findar da vida a trama,

“Atrai-me a ti, que tens contentamento
Por ela; e, pois, me diz de qual ventura
87 A Esperança te fez prometimento.” —

E eu: — “Foi declarado na Escritura
O sinal (sua forma está sabida)
90 De almas, que, amigas, o Senhor apura

“Disse Isaías: cada qual cingida
Em sua pátria será de dupla veste,
93 E a pátria sua é nesta doce vida.

“Por que mais a verdade manifeste,
Das cândidas estolas discorrendo
96 Mais claro teu irmão falou do que este.” —

Palavras tais eu proferido havendo.
“Sperant in te” ressoa lá da altura,
99 Ao hino os coros todos respondendo.

Lume entre eles depois tanto fulgura,
Que, se o Câncer tivesse igual estrela,
102 Fora do inverno um mês luz sem mistura.

Como leda no baile entra a donzela
E, para a noiva honrar, dança inocente
105 Sem que vício ou vaidade impere nela:

O clarão assim vi resplandecente
Aos dois se apropinquar, que circulavam
108 Quanto convinha ao seu amor ardente.

Entrou no canto e dança, que formavam:
Qual sem voz sposa imota, aos três o aspeito
111 De Beatriz os olhos contemplavam.

— “O santo é este, que estreitava ao peito
O nosso Pelicano e dele há sido
114 Sobre a cruz à missão sublime eleito.” —

Assim diz Beatriz. Sempre embebido
O seu olhar está na luz terceira
117 Depois, como antes de eu a ter ouvido.

Quem do sol fita os olhos na carreira,
Crendo vê-lo de eclipse anuviado,
120 Para ver sente o efeito da cegueira:

Por esse lume assim fui deslumbrado.
— “Por que te afanas procurando” — fala —
123 “O que no céu não pode ser achado?

“Na terra o corpo meu à terra iguala,
Até que o nosso número complete
126 O que eterno propósito assinala.

“Ter vestes duas só do céu compete
No claustro aos lumes dois, que se elevaram:
129 Esta verdade ao mundo teu repete.” —

Calou-se e os esplendores três pararam
E com eles a doce melodia,
132 De que os sons a coréia acompanharam.

O remo, assim, que o mar de antes feria,
Se há fadiga ou perigo, é bem que cesse,
135 Logo ao sinal do apito, que assobia:

Na mente ai! quanto a comoção recresce,
Quando o gesto não pude ver formoso
De Beatriz ainda que eu stivesse

139 Ao seu lado e no mundo glorioso!



1-6. Se este sacro poema etc. Dante exprime a esperança que o seu Poema abrande os espíritos dos seus concidadãos e lhe seja concedida a volta a Florença. — 17-18. O Barão etc., S. Tiago, cujo corpo foi sepulto em Compostela, na Galícia. — 24. O manjar, Deus. — 29-30. Por quem foi descrita etc. refere-se Dante à chamada epístola católica que, porém, por muitos é atribuída a S. Tiago Zezedeu. — 32-33. Toda vez etc.: no Evangelho os três apóstolos Pedro, João e Tiago figuram as três virtudes teologais, a fé, a caridade e a esperança.



CANTO XXVI



O apóstolo S. João interroga Dante a respeito da terceira virtude teologal, a Caridade. Responde Dante e os seus conceitos são aplaudidos por toda a corte celeste. Beatriz reaviva no Poeta a vista que estava ofuscada. Aproxima-se Adão que lhe fala e esclarece alguns pontos duvidosos de Dante.



FOSSE já morta a vista eu receava,
Eis da fúlgida flama, que ofuscara,
3 Atento fez-me a voz, que assim falava:

— “Enquanto a força a vista não repara,
Que em minha nímia luz hás consumido
6 Compensação no discursar depara.

“Começa e diz pra onde é dirigido
Teu espírito e sabe que, se escura
9 A vista sentes, não a tens perdido;

“Pois quem te guia na divina altura
Virtude tem no olhar, como Anania
12 Nas mãos tivera, que a cegueira cura.” —

— “Quando bem lhe aprouver” — eu respondia —
“Remédio aos olhos dê, por onde a chama
15 Com ela entrou, que sempre incendia.

“O Bem, que pelo céu prazer derrama
Alfa e Ômega há sido na escritura,
18 Que amor ou forte ou leve em mim proclama.”

Aquela mesma voz, que me assegura
Não haver eu de súbito cegado,
21 Inda excitar-me a lhe falar procura.

— “Por mais estreito crivo ser passado
Deves” — disse — “e portanto denuncia
24 O que ao fito há teu arco endereçado.” —

— “Razões” — tornei — “da sã filosofia
E autoridade, que daqui descende,
27 Me influem desse amor toda a energia.

“O bem, enquanto bem, quando se entende,
Ateia amor que é tanto mais ardente,
30 Quanto mais de bondade em si comprende.

“É pois, essência, em si tanto excelente,
Que todo bem, que ser lhe possa externo
33 Reflexo é só da sua luz fulgente;

“Atrai, mais que outra, o espírito, que, terno,
Amando, conhecer pode a verdade,
36 Que desta prova é o alicerce eterno.

“Dessa verdade eu vejo a claridade
Naquele, que demonstra o amor primeiro
39 De todo ente, a quem cabe eternidade.

“Vejo na voz do Autor, só e verdadeiro,
Que de si disse, a Moisés falando:
42 — O bem te hei-de mostrar perfeito e inteiro. —

“Também tu mo revelas, começando
O sublime pregão, que à terra ensina,
45 Mais que os outros, o arcano venerando.” —

— “Pela razão” — ouvi — “pela divina
Autoridade, que com ela acorda,
48 O amor teu, e mais que tudo a Deus destina.

“Diz-me, porém: não sentes outra corda,
Que para Deus te arrasta? Faz patente
51 Com quantos dentes esse amor te morda.” —

Da Águia de Cristo não me foi latente
O propósito santo e onde queria
54 Na profissão levar-me diligente.

— “Estímulos, que possam” — lhe eu dizia —
“Para Deus impelir a humana essência,
57 Tem minha caridade noite e dia;

“Porque do mundo o ser; minha existência;
A morte que sofreu para que eu viva;
60 O que espera um cristão da fé na ardência;

“Do bem, que eu disse, a inteligência ativa,
Me afastaram do mar do amor culpado,
63 Do santo amor me conduzindo à vida.

“As flores, de que o horto é todo ornado,
Do Jardineiro eterno, eu amo tanto,
66 Quanto ele em perfeição lhes tem doado.” —

Calei-me e resoou melífluo canto
Pelo céu, que Beatriz acompanhava,
69 Dizendo todos: — Santo! Santo! Santo! —

Como pungente luz olhos destrava
Do sono, a vista, o brilho procurando,
72 Que as pálpebras descerra, invade, agrava;

E o desperto, os motivos ignorando
Da súbita vigília, olhos desvia,
75 Na mente, entanto, a reflexão calando:

Em mim, dessa arte, a névoa desfazia
De Beatriz o olhar, que pelo espaço
78 De mais de milhas mil resplendecia.

Então mais claro que antes a ver passo:
Quarta luz perto a nós, maravilhado,
81 Diviso e uma pergunta logo faço.

E ela: — “Nesse lume, ora chegado,
Seu Criador contempla a alma primeira
84 Que a Virtude primeira haja criado.” —

Qual fronde, que, ao soprar da aura ligeira,
O cimo curva e, logo após, se erguendo
87 Pela força, que a torna sobranceira,

Tal eu, essas palavras lhe entendendo
Atônito fiquei; depois seguro
90 Fez-me um desejo, que me estava ardendo.

— “Único pomo, que nasceu maduro!
Dos homens pai, que hás visto filha e nora
93 Em cada esposa então e no futuro!

“Devota e humilde a minha voz te exora!
Fala-me, pois! Do meu desejo és certo;
96 Almejo ouvir-te, e não to expresso agora.” —

Como de manto um animal coberto
Movimento, que os membros seus agita
99 Pelo envoltório, deixa descoberto:

Assim essa primeira alma bendita
Pelo tremor da sua luz mostrava
102 O prazer de agradar-me quanto a excita.

— “Não hei mister declares” — me tornava —
“Teu desejo, melhor que tu sabendo
105 Quanto a certeza em tua mente grava.

“Nesse espelho infalível estou lendo,
Em que é todo o visível refletido,
108 Cousa nenhuma o refletir podendo.

“Ouvir aspiras quando vindo hei sido
Lá no santo jardim, donde, guiado
111 Por tão comprida escada, tens subido;

“Quanto tempo ali fui deliciado;
Da cólera divina a causa vera;
114 Que idioma falei, por mim formado.

“O pomo, ó filho meu, não considera
Motivo só por si do acerbo exílio,
117 Mas ordens transgredir, que Deus me dera.

“Lá donde Beatriz moveu Virgílio
Quatro mil e trezentos e dois anos
120 A ventura anelei deste concílio.

“Do desterro senti na terra os danos,
Enquanto vezes novecentas trinta
123 Seu giro fez o sol do céu nos planos.

“Antes que a gente de Nemrod consinta
Em meter mãos à obra interminável,
126 A língua, que falei, se achava extinta.

“De homem feitura sempre perdurável
Não é; vem do capricho e um dia cessa,
129 Do céu segundo o influxo variável.

“A humana fala a natureza expressa;
Por ela o modo de falar deixado
132 Ao homem está, segundo lhe interessa.

“Antes de eu ter no inferno penetrado
El o supremo bem significava,
135 Que desta leda luz me há circundado;

“Depois em Eli o nome se mudava;
Qual rama dos mortais uso varia,
138 Sucede a folha nova à que secava.

“No monte, que mais alto ao ar se envia
Santa vida vivi, depois culpada,
Da hora prima à sétima do dia,

142 Noutro quadrante o sol fazendo entrada.”



2. Fúlgida flama, S. João Evangelista. — 11. Anania; a mão de Ananias teve a virtude de restituir a vista a S. Paulo, que ficara cego pela luz do céu que o investiu (Atos dos Apóstolos IX, 10-17). — 38. — Naquele etc. Dante se refere ou a Platão ou a Aristóteles, em algum ponto dos seus livros no qual declaram que Deus é a suprema causa. — 44-45. O sublime pregão, o Evangelho de São João. — 83-84. Alma primeira, Adão; Virtude primeira, Deus. — 118-120. Lá donde etc. o limbo. — Dante, seguindo o cálculo d’Eusébio, crê que da criação do mundo até a morte de Jesus Cristo passaram 5.232 anos, subtraindo dos quais os 950 que Adão viveu, ficam 4302 anos. — 139-141. No monte etc., Adão viveu no Paraíso Terrestre, isto é, na parte mais alta do monte Purgatório, apenas sete horas.

CANTO XXVII



S. Pedro exprobra os maus pastores da Igreja; e todos os santos manifestam a sua aprovação às palavras do Apóstolo. Novamente o Poeta contempla a Terra, e, depois, com Beatriz, eleva-se ao Primeiro Móvel.



GLÓRIA ao Pai! Glória ao Filho! ao Espírito Santo!
Uníssono entoava o Paraíso:
3 Senti-me inebriado ao doce canto.

Pareceu-me o que eu via um doce riso
Do universo: tomava-me a ebriedade
6 Pelos olhos e ouvidos o juízo.

Ó júbilo! Ó inefável f’licidade!
De paz ó vida inteira e de ternura!
9 Riqueza certa, isenta de ansiedade!

Fulgia-me ante os olhos a luz pura
Dos esplendores quatro; mais brilhante
12 O que veio primeiro eis se afigura!

E tal se me apresenta o seu semblante,
Qual fora Jove, se, aves ele e Marte,
15 A plumagem trocassem rutilante.

A Providência, que no céu reparte
Tarefa a cada qual, calar fizera
18 O venturoso coro em toda parte,

Quando lhe ouvi: — “A cor se em mim se altera
Não o estranhes: enquanto estou falando
21 Mudança igual em todos ver espera.

“Quem, meu lugar na terra ora usurpando,
Meu lugar, meu lugar, vago em presença
24 De Cristo o deixa, converteu nefando

“Meu cemitério na sentina imensa
De sangue e podridão, com que o perverso,
27 Do céu lançado, frui delícia intensa.” —

O céu então eu vi todo submerso
Na cor, que por manhã e à tarde acende
30 Sobre as nuvens o sol do lado adverso.

Qual a dama, que à virtude cultos rende
E, de si bem segura, se enrubesce,
33 Quando torpezas de outra ouve e compreende,

Beatriz transmudada me parece,
Ao céu ante a paixão do Onipotente
36 Igual eclipse em seio que envolvesse.

Prosseguiu logo o Apóstolo eminente;
E tanto a voz lhe estava demudada,
39 Que mais não fora o vulto seu rubente.

— “Com sangue meu a Igreja alimentada
Não foi, nem Lino e Cleto o seu lhe deram
42 De ouro em ganância para ser mudada.

“Como Calixto e Pio mereceram,
Urbano e Sixto a sempiterna vida?
45 Pós muito pranto o sangue seu verteram.

“Por nossos sucessores dividida
Não quisemos a grei — parte chamada
48 À destra, parte à esquerda repelida;

“Nem que das chaves fosse a insígnia usada
Por estandarte em campo sanguinoso
51 Contra cristãos em guerra encarniçada.

“Nem que, por privilégio mentiroso
De traficância, em selo eu figurasse
54 Quanta vez de pudor me acendo iroso!

“Com vestes de pastor lobo rapace
Daqui em cada pascigo se avista:
57 Para que não surgiu Deus, que os fulminasse?

“De Gasconha e Cahors raça malquista
Beber-nos sangue vem: belo começo,
60 O indi’no fim que tens, quanto contrista!

“Mas Deus que a Roma, do seu mal no excesso,
De mundo em glória os Cipiões mandava,
63 Dará socorro, como foi-me expresso.

“E tu, que o peso da matéria grava,
Voltando, ó filho, ao mundo lhe revela
66 Quanto eu te digo dessa gente prava.” —

Como o vapor nos ares se congela,
E em flocos baixa, quando o sol tocado
69 Pelas pontas está da Cabra bela;

Assim vi eu o éter adornado
De clarões triunfantes, que detido
72 Haviam-se na altura ao nosso lado.

Tinha-os a vista na ascensão seguido
E os seguiu té que enfim subir avante
75 Pelo espaço não foi-lhe permitido.

Que eu não podia ver mais adiante
Notando, Beatriz disse: — “Repara
78 Quanto agora, girando, estás distante.” —

Desde a hora, em que a terra eu contemplara,
Por todo o arco, que o clima faz primeiro,
81 Do meio até o fim, já me avançara.

A passagem, que Ulisses aventureiro
Além Gades tentou e a plaga via,
84 Em que Europa foi cargo prazenteiro,

Naquela área inda mais divisaria;
Porém sob os meus pés o sol andava
87 Distância, que a de um signo precedia.

A namorada mente, em que reinava
Sempre a Senhora minha, no incentivo,
90 Mais que nunca de olhá-la se inflamava.

Se de arte ou natureza almo atrativo
Pelos olhos prender nos pode a mente,
93 Seja em pintura, seja em corpo vivo,

Nada foram, conjuntas, certamente,
Ante o enlevo que o peito me ilumina,
96 Quando me volta ao gesto seu ridente.

Virtude, olhando-a em mim tanto se afina
Que do ninho de Leda me destrava
99 E ao céu velocíssimo me empina.

Tanto na altura e brilho se mostrava
Uniforme este céu, que eu não sabia
102 Qual pouso Beatriz me destinava.

Ela, porém, que o meu desejo via
No sorriso tão leda assim começa,
105 Que em seu rosto exultar Deus parecia.

— “O movimento, que no centro cessa,
Em torno ao qual, porém, tudo o mais gira,
108 Daqui partindo à roda se endereça.

“Somente a sua ação este céu tira
Da soberana Mente, em que se acende
111 O amor, que o move, o influxo, que respira.

“De luz e amor um círculo o compreende,
Assim como ele aos mais; deste precinto
114 Unicamente quem lho cinge entende.

“Seu movimento é por si só distinto,
Por ele os outros céus medidos sendo,
117 Como dez por metade e por seu quinto.

“Ficas, portanto, ao claro conhecendo
Como o tempo a raiz neste céu tenha,
120 As ramas pelos outros estendendo.

“Fatal cobiça; que os mortais despenha
Em tão profundo pélago, que alçar-se
123 Do abismo fora a vista em vão se empenha!

“Nos homens o querer pode enflorar-se,
Mas de chuvas contínuas açoutado
126 Bom fruto são não há-de conservar-se.

“Fé, inocência, abrigo têm buscado
Nas crianças; mas cada qual se esquiva
129 Antes que à face o buço haja apontado.

“Quem balbucia de comer se priva;
Em tendo solta a língua, a qualquer hora
132 Mostra em toda iguaria fome ativa.

“Quem balbucia a mãe respeita e adora;
Mas, quando a voz já sente desprendida,
135 Vê-la em mortalha o seu desejo exora.

“Assim de alva se torna enegrecida
A cutis da gentil filha daquele,
138 Que traz manhã, da noite em despedida.

“Estranheza, porém, de ti repele
Vendo o gênero humano transviado:
141 Quem há que em bem regê-lo se desvele?

“Por força do centésimo olvidado
Inda antes de deixar Janeiro o inverno,
144 Hão de as esferas dar tão forte brado,

“Que a fortuna, de esp’rança alvo hodierno
Fará que as popas dêm lugar às proas,
A armada correrá com bom governo

148 E após as flores virão frutas boas.” —



10-11. A luz pura dos esplendores quatro, as almas dos três apóstolos e de Adão. — 13-14. O seu semblante, qual fosse Jove etc., S. Pedro de branco que era ficou vermelho, como o planeta de Marte. — 22. Quem, meu lugar na terra ora usurpando, o papa Bonifácio VIII, que, segundo o Poeta, obteve o Papado usando de fraudes. — 25. Meu cemitério, Roma ou mesmo o Vaticano, onde segundo a tradição foi sepultado o corpo de S. Pedro. — 41. Lino e Cleto, S. Lino e S. Cleto foram sucessores de S. Pedro. — 43-44. Sixto foi elevado ao Papado no ano 128; Pio em 154; Calixto em 218 e Urbano em 231. — 58-59. De Gasconha e Cahors; o Poeta alude a João XXII de Cahors, elevado ao papado em 1316 e a Clemente V de Gasconha, papa em 1305. — 79-84. Desde a hora etc.; desde a hora em que pela primeira vez eu olhara para a terra, notei que havia percorrido a quarta parte da esfera e, por isso, eram passadas seis horas. — 98-99. Ninho de Leda, constelação dos Gêmeos (Castor e Pólux nasceram dos amores de Leda com o cisne). — 142-144. Por força do centésimo olvidado etc., antes do mês de janeiro não mais pertencer ao inverno, e sim à primavera, pela acumulação das frações de tempo que não foram calculadas na reforma do calendário efetuada por Júlio César, que ainda vigorava no tempo do Poeta. — 147. A armada, a humanidade.

CANTO XXVIII



Dante volve os olhos para Beatriz, que estava atrás dele; depois mira para a frente e vê um ponto brilhantíssimo, em torno do qual se movem nove círculos de luz, que giram mais rapidamente e são mais brilhantes quanto mais próximos estão dele. Aquele ponto é Deus; os círculos são os coros angélicos.



DEPOIS que acerca do existir presente
Dos míseros mortais mostrou verdade
3 Aquela a que emparaísa a mente,

Como quem vê no espelho a claridade
De tocha, que de trás esteja acesa,
6 Suspeita inda não tenho da verdade;

E, para olhar voltado, tem certeza
De que o vidro é fiel ao que apresenta,
9 Como o canto é do metro a natureza:

Assim minha memória representa
Que eu fiz, nos belos olhos me enlevando,
12 Com que amor cativou minha alma isenta.

De os contemplar, porém, os meus deixando
E no que esse orbe faz onipotente,
15 Quando em seu giro atenta-se os fitando,

Um ponto vi, que lume tão fulgente
Dardejava, que a vista deslumbrada,
18 Fechava-se ante o lume translucente;

Estrela, ao parecer, mais apoucada,
Junto dela, de lua figurada,
21 Como estrela ao pé de outra colocada.

Como a c’roa talvez, que se depara
Cingindo astro, que a torna luminosa,
24 Quando o vapor que a tem mais condensara,

Ígneo círc’lo, em carreira impetuosa.
Distante, ao Ponto mais veloz cercava
27 Do que a esfera que vai mais pressurosa.

Este círc’lo primeiro outro abraçava;
Ao terceiro o segundo, outro ao terceiro,
30 Ao quarto o quinto e o sexto o circundava.

Tão largo o sétimo era, que, inda inteiro,
Abrangido, por certo, o não teria
33 Aquele, que de Juno é mensageiro.

Oitavo e nono assim: mas se movia
Mais lento cada qual, segundo ele era
36 Mais longe do primeiro, que corria.

E a flama rutilava mais sincera
No que da Excelsa luz mais perto estava
39 Creio que em fluxo seu mais recebera.

Mas Beatriz, que o enleio meu notava
— “Daquele Ponto o céu e a natureza
42 Estão na dependência” — me falava.

“Olha o círc’lo mais próximo e a presteza,
Que tanto lhe acelera o movimento:
45 De ardentíssimo amor punge-o a viveza.” —

— “Se do mundo.” — eu lhe disse — “o regimento
Fosse qual nestes orbes aparece
48 Do que ouço eu conseguira já contento;

“Mas no mundo sensível me parece
Ser cada esfera tanto mais divina,
51 Quanto mais longe do seu centro desce,

“Se instruir-me o querer teu determina
Neste seráfico, estupendo templo,
54 Que só com luz e com amor confina,

“Explicar-me te digna, porque o exemplo
Não se conforma em tudo ao seu modelo:
57 Por saber a razão em vão contemplo” —

— “De desatar o nó se ardente anelo
Teus dedos não contentam, não te espante:
60 Tal é, porque ninguém tentou solvê-lo.” —

Tornou-me ela e seguiu: — “Terás bastante
No que direi de luz ao entendimento:
63 Aguça o engenho e escuta vigilante.

“Nos círc’los corporais o crescimento
Regula pelo influxo, que é spargido
66 Nas partes que lhes formam complemento.

“Mor bondade, mor bem tem produzido
De mor bem foi mor corpo aquinhoado,
69 Se igual primor nas partes é contido.

“O círc’lo, pois, do qual arrebatado
Gira o alto universo, é referente
72 Ao de amor e ciência mais dotado.

“Se à virtude a medida propriamente
Adaptas, não regendo-te a aparência
75 Das substâncias, que em círc’los tens em frente,

“Mirífica hás de ver correspondência
Entre maior e mais, menor e menos
78 Em cada céu e a sua inteligência.” —

Como os ares são fúlgidos, serenos,
Se Bóreas sopra aquela face inchando,
81 Que os hálitos difunde mais amenos.

Resolvendo-se a névoa e se apagando
A sombra que o hemisfério enegrecia,
84 E o céu, a rir-se, as pompas ostentando:

Assim eu, quando aquela que me guia
Com sua explicação minha alma aclara,
87 E a verdade, qual astro, me alumia.

Depois que as vozes suas rematara,
Bem como ferro a faiscar fervente,
90 Dos círculos cad’un flamas dispara.

Cada centelha incêndio faz ingente
Em soma tal, que a do xadrez passava,
93 Dobrando-se o algarismo infindamente.

De coro em coro hosana ressoava
Ao Ponto, que ao seu ubi, onde têm stado
96 E onde sempre estarão pra sempre os trava.

Ela, o espírito meu vendo atalhado,
Disse-me: — “Aqueles círculos primeiros
99 Te hão Serafins e Querubins mostrado.

Assim nos orbes seus volvem ligeiros
Por semelhar-se ao Ponto e o conseguindo,
102 Segundo a vê-lo estão mais altaneiros.

“Os Amores, que em torno estão, seguindo,
Tronos se chamam do divino aspeto
105 O primeiro ternário concluindo.

“Prazer, bem sabes, todos têm seleto,
Quanto mais sua vista se aprofunda
108 Na verdade, alto fito do inteleto.

“Desta arte se conhece que se funda
Mais na visão celestial ventura
111 Do que no amor, ação, que vem segunda.

“Da visão é a medida a mercê pura,
Por vontade e por graça produzida:
114 De grau em grau se enalça a criatura.

“Outro ternário, que do céu movida.
Germina em primavera sempiterna,
117 Pelo Áries noturno não despida,

“Hosana entoa na harmonia eterna
Com três coros; que soam de alegria
120 Em ordens três, em cujo seio interna.

“Ordens três compreende a jerarquia,
Dominações, Virtudes, ocupando
123 Potestades final categoria.

“Nos penúltimos círculos girando,
Principados e Arcanjos resplandecem;
126 E dos Anjos, após festivo bando.

“No Ponto as Ordens todas se embevecem,
De baixo a Deus são todas atraídas,
129 E uma das outras a atração padecem.

“Contemplando-as, idéias tão subidas
Dionísio formou com tanto zelo,
132 Que as fez, como eu, por nomes conhecidas.

“Não quis Gregório como norma tê-lo;
Neste céu quando entrou, porém, se ria
135 Do erro, em que estivera, ao percebê-lo.

“Mortal, que o grã mistério compreendia
E o disse à terra, não te mova espanto:
Quem tinha-o visto aqui lhe descobria

139 E mais verdade deste império santo.” —




33. Aquele que de Juno é mensageiro, Íride, o arco-íris. — 38. Excelsior luz, Deus. — 64. Circ’los corporais, os céus do mundo sensível. — 67-69. Mor bondade etc.; os corpos que contêm em si maior bondade difundem maior bem. — 73-78. Se a virtude etc.; medindo os Céus não pela aparência, mas pela virtude, verás que o menor que está mais perto de Deus corresponde ao maior no mundo sensível; e assim por diante. — 94-96. De coro em coro etc.; os coros hosanavam a Deus que os mantém no seu lugar, onde estiveram e ficarão por toda a eternidade. — 109-111. Desta arte se conhece etc. Era uma questão da escolástica: a beatitude celeste consiste na visão ou no amor? Dante segue S. Tomás que a põe na visão de Deus. — 121-126. Ordens três etc. O Poeta colocou nos primeiros três círculos os Serafins, os Querubins e os Tronos; nos três círculos sucessivos estão as Dominações, que ensinam a arte de dominar para o bem, as Virtudes que operam os milagres, e as Potestades que ensinam a respeitar a autoridade. Nos últimos círculos estão os Principados e os Anjos e Arcanjos. — 131. Dionisio, o Aeropagita, que escreveu um livro sobre as hierarquias celestes. — 133. Gregório, o papa S. Gregório Magno que divergiu das opiniões de S. Dionisio sobre as hierarquias celestes. — 138. Quem tinha-os visto etc., S. Paulo, que em vida teve uma visão das cousas celestes e foi mestre de S. Dionisio.


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