A Bíblia e o Livro de Enoque


Max Rangel  

Este livro foi amaldiçoado pelos rabinos e por alguns pais da igreja que achavam que o mesmo por não fazer parte da lista de livros inspirados dos judeus deveria ser banido do meio cristão. Isto tudo devido ao seu profundo conteúdo de mistério no tocante a questão angelical e os bastidores do capítulo 6 do livro do Gênesis, o que tornava a sua leitura um tanto inconveniente.

Assim este livro outrora respeitado por cristãos e judeus caiu em descrédito justamente por suas afirmações sobre os anjos caídos. O rabino e místico Simeon Ben Yohai, no século II, lançou uma maldição contra todos os que nele acreditavam. Tendo sido amaldiçoado, queimado, banido e perdido durante mil anos, o livro de Enoque voltou a circulação há dois séculos. Em 1773, rumores de uma cópia do livro levaram o explorador escocês James Bruce até a Etiópia. Lá ele encontrou um exemplar preservado pela igreja etíope que o coloca lado a lado com outros livros da Bíblia.

Cristo o Examinou

A versão atual do livro de Enoque foi escrita em algum momento do século II a.C., e teria sido popular durante pelo menos 500 anos. O mais recente texto etíope foi aparentemente escrito a partir de um manuscrito grego que, por sua vez, já seria uma cópia de um texto ainda mais antigo. O original foi provavelmente escrito na língua semítica (aramaico, hebraico). Apesar de já ter sido considerado um livro pós-cristianismo, devido as semelhanças com terminologias e ensinamentos cristãos, mas descobertas de cópias do livro entre os manuscritos do mar Morto, em Qumran, provam que o livro data de um período ainda anterior á época de Jesus.

O livro pode não ter sido escrito originalmente por Enoque, mas talvez seja o resultado de um conjunto de tradições, cuja origem se perderam no tempo. Esta é uma suposição, já que a verdadeira autoria do livro é um completo mistério. Muitos cristãos do primeiro século o consideravam como escritura inspirada.

Muitos conceitos e termos usados pelo próprio Jesus estão diretamente relacionados com o livro, o que demonstra que ele não só o examinara como também o respeitara, a ponto de comentar descrições especificas relacionadas ao reino vindouro e o julgamento final do qual tomarão parte os inimigos de Deus. Em 1891, o reverendo William J. Deane protestou contra a associação entre os ensinos de Jesus e o recém-lançado livro de Enoque, afirmando com indignação:

“Somos obrigados a acreditar que o nosso Senhor e seus apóstolos, consciente ou inconscientemente, acrescentaram nas suas falas e escritos idéias e expressões tiradas do livro”.

Além das familiares citações do Antigo Testamento, Jesus pode até mesmo ter se referido ás profecias contidas em textos apócrifos não incluídos pelos pais da igreja e pelos rabinos que selecionaram os livros que fizeram parte da Bíblia cristã e das Escrituras Hebraicas. Muitos textos antes desconhecidos, descobertos em Qumran e Nag Hammadi, (os rolos do Mar Morto) indicam que Jesus ensinou baseado em outras fontes escritas anteriormente. Os manuscritos das cópias do livros, segundo teste carbono 14 apontou para o ano 100/150 A.C. Charles Cutler Torrey, professor da Universidade de Yale, mostra evidencias de que Jesus usava citações de uma obra apócrifa perdida. Veja Lucas 11:49;

“Por isso diz a sabedoria de Deus: Profetas e apóstolos lhes mandarei e eles matarão a uns e perseguirão a outros”.

A expressão “sabedoria de Deus”, indica que Jesus está citando diretamente uma fonte, obra apócrifa provavelmente, que hoje se encontra perdida. Além disso, Torrey nota que há outras referências no Novo Testamento das escrituras nas mais existentes que foram conhecidas pelos apóstolos nos primeiros anos da era cristã. Uma destas referências pode ser encontrada em Mateus 27:9-10;

“Então se cumpriu o que predissera o profeta Jeremias: Tomaram trinta moedas de prata, o preço avaliado pelos filhos de Israel. E as deram pelo campo do oleiro, conforme me ordenou o Senhor”.
O texto de Jeremias do qual Mateus retirou a citação acima, não está no atual livro do profeta do Antigo Testamento. Mas Jerônimo, um dos pais da igreja do século IV, escreveu um relato contando que um membro da seita dos nazarenos lhe mostrou um texto apócrifo de Jeremias em que esta citação de Mateus aprece na sua forma exata.

Apóstolos Foram Influenciados Pelo Livro

O Dr. R. H. Charles, estudioso do livro, escreveu na virada do século XX que a influência do livro de Enoque no Novo Testamento tem sido maior do que a de todos os outros livros apócrifos juntos. Todos os escritores do Novo Testamento estavam familiarizados com a obra e seus estilos e pensamentos foram de alguma forma influenciados por ele. Expressões que Paulo usa aparecem no livro. João também faz menção de algumas expressões chaves, como: “Senhor dos senhores, Rei dos reis, os anjos maus sendo punidos, a visão dos sete espíritos, os quatro animais ao redor do trono, e o livro da vida”.

As semelhanças entre o Apocalipse e a obra de Enoque são tantas que quase o impediu de ser considerado obra canônica. No século III, Dionísio de Alexandria, juntamente com muitos outros bispos das igrejas da Síria e da Ásia Menor (atual Turquia), rejeitou o Apocalipse como obra autêntica.

No livro de Atos 10:34; apresenta uma citação de Pedro afirmando que “Deus não faz acepção de pessoas”, frase também usada por Paulo e encontrada no livro de Enoque, bem como do Deuteronômio, Crônicas e em diversas passagens do Velho Testamento. O livro de Enoque foi a origem desta citação.

As cartas de Pedro podem ser atribuídas a este livro. Ele fala do aprisionamento e do envio ao inferno dos anjos pecadores. Rendel Harris e M. R. James, especialistas em grego, além de outros estudiosos, argumentam que a primeira epístola de Pedro continha originalmente uma referência explicita ao livro.

Judas cita Enoque diretamente e transcreve uma passagem completa no verso 14. O termo “eleito” é muito significativo no livro de Enoque e influenciou o seu uso entre os apóstolos. A expressão “ancião dos dias” ou “de dias”, como aparece no livro do profeta Daniel, também está presente no livro de Enoque, da mesma forma a expressão “filho do homem”, o que indica de forma absolutamente clara a influência desta obra na mente e corações dos apóstolos.

Pais da Igreja Concordam com Enoque

Muitos amavam e respeitavam o livro. Convencidos de que os anjos do mal estavam em atividade no mundo, os primeiros pais da igreja citavam frequentemente o livro.

Justino mártir, Em sua “Segunda Apologia”, concorda com a história abordada pelo livro.

Atenágoras, em sua obra “Legatio”, escrita no ano 170, apresenta Enoque como um verdadeiro profeta.

Lactâncio (260-330) e Taciano (110-171), apologistas cristãos, especularam com detalhes sobre a encarnação dos anjos caídos.

Irineu, bispo de Lyon no século III, faz referências a história de Enoque.

Tertuliano (160-230) era um grande defensor do livro.

Clemente de Alexandria (150-220) fala dos anjos que renunciaram á beleza de Deus em troca da beleza que desvanece, caindo do céu para a Terra.

Origines (186-255), um aluno de Clemente e grande pensador da sua época, mais de uma vez chamou Enoque de profeta e citava livremente o seu livro.

A Rejeição do Livro

Os pais da igreja tiveram dificuldade para aceitarem o ponto de vista do livro de Enoque e procuraram outra explicação para encaixarem o capítulo 6 do Gênesis. Estes mestres da igreja também acreditaram que o profeta Isaias no capítulo 14:12-15; está descrevendo a queda de um arcanjo e seus aliados. Esta queda seria em função da sua soberba, ele queria ser igual a Deus.

Para evitar a idéia de que os anjos haviam se materializado e mantido contato sexual com as mulheres humanas, eles seguiram a linha de raciocínio de um mestre da igreja, Julio Africano, que aceitava os “filhos de Deus” como sendo uma referencia aos filhos de Set que teriam tomado como esposas as filhas de Caim. No século IV, Ephraem, uma autoridade eclesiástica da Síria, também seguiu esta idéia. Jerônimo (348-420), doutor da igreja e especialista em hebraico, qualificou a obra de Enoque como apócrifa e declarou que seus ensinos eram iguais aos do maniqueísmo.

O maniqueísmo foi uma religião que competiu com a igreja, foi fundada no ano 240 pelo profeta Mani, que se declarava um apóstolo de Jesus. Ele pregava uma síntese (budismo, zoroastrismo, cristianismo). Crisóstomo (346-407), concluiu que aceitar os “filhos de Deus” como anjos é uma idéia absurda. Santo Agostinho (354-430), rejeitou igualmente que os anjos jamais poderiam ter assumido um corpo e terem tido relações com mulheres, mesmo afirmando que há casos na Bíblia em que anjos aparecem aos homens em corpos que podiam não só ser vistos mas tocados.

O rabino Simeon Bem Yohai lançou uma maldição aos que acreditassem serem anjos, “os filhos de Deus”, do Gênesis 6. Esta maldição proferida no século II A.D., colocou o mundo judeu contra o livro de Enoque. Como tinha conhecimento desta questão, Orígenes (séc. III), afirmava ser esta a razão principal pela qual o livro não era mais aceito pelos judeus.

Algumas passagens deste livro apresentam semelhanças com as da Bíblia:

Enoque – “…e o julgamento será para todos, até para os justos.” Enoque 1:6;
Bíblia – “Pois já é tempo que comece o julgamento pela casa de Deus…” I Pe 4:17;

Enoque – “Os eleitos possuirão luz, alegria e paz e herdarão a terra”. Enoque 6:9;
Bíblia – “Bem-aventurados os mansos porque eles herdarão a terra”. Mt 5:5;

Enoque – “Quando naqueles dias os filhos do homem se multiplicaram, suas filhas nasceram elegantes e belas. E quando os anjos, os filhos do céu, contemplaram-nas ficaram enamorados, dizendo uns aos outros: Vamos, escolhamos para nós esposas entre a progênie dos homens para com elas gerarmos crianças. Tomaram esposas, cada um escolhendo a sua…As mulheres deram á luz os gigantes.” Enoque 7:1-2;10,11;
Bíblia – “Viram os filhos de Deuses que as filhas dos homens eram formosas e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram. Havia naqueles dias gigantes na Terra e também depois, quando os filhos de Deus conheceram as filhas dos homens, as quais lhe deram filhos”. Gn 6: 2,4;

Enoque – “…Eles então se dirigiram ao Senhor, o Rei, o Senhor dos senhores, Deus dos deuses, Rei dos reis…” Enoque 9:3;
Bíblia – “…porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis…” Ap 17:4;

Enoque – “Entre miríades e miríades que estavam diante dele”. Enoque 14:24;
Bíblia – “Então olhei e ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono e dos seres viventes e dos anciãos e o número deles era milhões de milhões e milhares de milhares.” Ap 5:11;

Enoque – “Oferecendo sacrifícios aos demônios como a deuses”. Enoque 19:2;
Bíblia – “Antes digo que as coisas que os gentios sacrificam, é aos demônios que sacrificam não a Deus.” I Cor 10:20;

Enoque – “E aquela árvore de aroma agradável, cujo odor nada tem de carnal não poderá ser tocada até o tempo do grande julgamento…Ela será entregue aos justos e humildes; os frutos desta árvore deverão ser dados aos eleitos.” Enoque 24:9;
Bíblia – “No meio de sua praça, em ambas as margens do rio, estava a árvore da vida, que produz doze frutos, dando seu fruto de mês em mês. E as folhas da árvore são para cura das nações.” Ap 22:2;

Enoque – “…Ouvi desde o início e compreendi as coisas sagradas que proclamo na presença do Senhor dos espíritos.” Enoque 37:1;
Bíblia – “…Não nos sujeitaremos muito mais ao Pai dos espíritos e não viveremos?” Hb 12;9;

Enoque – “E qual será o local de descanso dos que rejeitaram ao Senhor dos espíritos. Seria melhor para eles que jamais houvessem nascidos”. Enoque 38:2;
Bíblia – “Mas ai daquele por quem o Filho do homem é traído! Melhor lhe fora que não tivesse nascido”. Mt 26:24;

Enoque – “Então farei o meu eleito habitar no meio deles…” Enoque 45:4;
Bíblia – “Aqui está o meu servo, a quem sustenho, o meu eleito…justiça produzirá entre as nações.” Is 42:1;

Enoque – “Naquele dia o eleito assentará num trono de glória…” Enoque 45:3;
Biblia – “…então se assentará no trono da sua glória.” Mt 25:31;

Enoque – “…este é o Filho do homem a quem pertence a justiça e que revelará os tesouros ocultos”. Enoque 46:2;
Bíblia – “…para conhecimento do mistério de Deus – Cristo, em quem estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e da ciência”. Colossences 2:2;

Enoque – “Então vi o ancião de dias enquanto se sentava no trono de sua glória, enquanto abria, na sua presença, o livro da vida e enquanto todos os poderes acima do céu postavam-se ao redor e diante dele.” Enoque 47:3;
Bíblia – “Eu continuei olhando, até que foram postos uns tronos e um ancião de dias se assentou…Assentou-se o tribunal e abriram-se os livros”. Daniel 7:9;10;

Enoque – “…pois está próximo o dia da sua salvação”. Enoque 50:2;
Bíblia – “…porque a vossa redenção está próxima”. Lucas 21:28;

Enoque – “No dia dos pecadores, o dia será encurtado.” Enoque 79:3;
Bíblia – “Se aqueles dias não fossem abreviados…” Mt 24:22;

Enoque – “Vede, o Senhor vem com milhares de seus santos, para fazer juízo contra todos e para fazer convictos todos os ímpios, acerca de todas as obras ímpias que impiamente praticaram e de todas as duras palavras que ímpios pecadores contra ele proferiram.” Enoque 7;
Bíblia – “Concernente a estes profetizou Enoque, o sétimo depois de Adão, Vede, o Senhor vem com milhares de seus santos, para fazer juízo contra todos e para fazer convictos todos os ímpios, acerca de todas as obras ímpias que impiamente praticaram e de todas as duras palavras que ímpios pecadores contra ele proferiram.” Judas 14;



Fonte: http://paradoxosbiblicos.blogspot.com.br/2012/01/biblia-e-o-livro-de-enoque-quem-copiou.html