Ebenézer Soares Ferreira
Os justos, ao morrerem, vão logo para o céu. Há pessoas que procuram contestar o ensino
claro das Escrituras sobre o estado desincorporado dos mortos. Baseiam-se elas em textos
bíblicos que nada lhes oferecem para escorar sua doutrina do “sono da alma”, que
é, especialmente, esposada pelos sabatistas. Em Lucas 23.43, se lê: “Respondeu-lhe
Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso”. Para que sirva aos seus
planos doutrinários, eles colocam dois pontos após a palavra hoje e, assim, fica o texto:
“Respondeu-lhe Jesus: Em verdade te digo hoje: estarás comigo no paraíso”. Deste
modo, o texto fica totalmente modificado. Segundo essa leitura, um dia o crente irá para a
bem-aventurança eterna. Mas não se sabe quando.
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Outros não usam do expediente acima citado, mas procuram afirmar que o paraíso não é o
céu. Dizem os sabatistas que, ao morrer, o crente fica dormindo na sepultura. O corpo se
decompõe, mas a alma fica ali. Só na volta de Cristo, ouvindo a sua voz, ele acordará e, então,
haverá a ressurreição e, em seguida, o juízo. Dizem que o texto de Lucas 23.43 não prova que
Jesus foi ao céu com o ladrão arrependido, no dia em que ele morreu. Para provar isto, citam
João 3.13, que diz: “Ora, ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do
homem”. À primeira vista, parece realmente contradição. Mas, não o é. O leitor
desavisado pode cair na armadilha dos que acatam a doutrina do “sono da alma”. O
que ocorre é que a pessoa não familiarizada com as regras de hermenêutica bíblica se deixa
induzir por explicações que não são plausíveis com o teor da Bíblia, no que tange ao destino
dos que partem para o além.
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O leitor deverá verificar que Jesus está tendo um colóquio com Nicodemos (João 3.1-21). Este
se surpreende, se deslumbra (João 3.7), com os maravilhosos ensinos que Jesus apresenta
sobre o novo nascimento. Jesus lhe diz: “Tu és mestre em Israel, e não entendes estas
coisas?” (v. 10). E Jesus ainda adiciona: “Em verdade, em verdade te digo que nós
dizemos o que sabemos e testemunhamos o que temos visto; e não aceitais o nosso
testemunho!” (v. 11). Aqui é Jesus quem se admira da ignorância de um reputado mestre
em Israel, que ignora as coisas mais simples sobre o reino de Deus. Jesus, então, adiciona:
“Se vos falei de coisas terrestres, e não credes, como crereis, se vos falar das
celestiais?” (v. 12). The Interpreter's Bible, comentando sobre este texto, diz:
“Nosso Senhor estava francamente desapontado com Nicodemos... Se nós nos
escandalizamos com os ensinos de coisas terrenas para as quais há analogias humanas e que
podem ser verificadas pela experiência humana, como poderemos nos aprofundar nas coisas
de Deus, para entendermos as coisas celestiais? Somente um que tenha conhecimento direto
dessas coisas pode comunicá-las a nós. Somente o Filho do homem que esteve no céu e que
desceu do céu é que pode fazer isso. As coisas celestiais são aqueles mistérios que homem
algum pode declarar, mas somente podem ser declarados pelo Filho do homem, que desceu
do céu. Ninguém jamais subiu ao céu para trazer os segredos divinos. Com as palavras
“Ora, ninguém subiu ao céu senão o que desceu do céu, o Filho do homem”, Jesus
como que está desmentindo a tradição rabínica que dizia que Moisés tinha subido ao céu para
trazer as tábuas das dez palavras. É que “Moisés, sendo mero homem, não fora capaz
de subir ao céu, à esfera da realidade absoluta, para trazer a este mundo as fontes da
vida”, como escreve J.W. Shepard, na obra
The Christ of the Gospels,
página 102. O ínclito teólogo W.C. Taylor, em seu comentário ao Evangelho de João (3
volumes, totalizando 1.214 páginas), comentando o texto “Deixa de me tocar, porque
ainda não subi ao Pai...” (Jo 20.17), declara: “traduzindo 'Não subi', os curiosos e os
autores de credos e dogmas, de teorias sabatistas, de sistemas de doutrinas antibíblicas a
respeito do estado “intermediário” (entre a morte e a ressurreição), todos esses
aproveitadores heterogêneos dessa tradução errada estabelecem, nas suas próprias cabeças,
anarquia a respeito do testemunho da Bíblia. Investem com uma Escritura contra outra
Escritura e ficam com aquela que lhes parece mais útil para seus fins.” E, mais à frente, o
dr. Taylor acentua: “Menciono Atos 2.34, a fim de demonstrar que a tradução aqui
discutida não deve ser igual à de Atos 2.34, mas fiel ao tempo diferente do verbo que, em João
20.17, é o perfeito. Eu não subi de modo a permanecer atualmente face a face com o Pai lá no
céu. Estou aqui, mas não para ficar. É um intervalo curto entre minha visita ao céu ontem e a
minha ida definitiva para o Pai, na hora da minha ascensão. Ainda não ascendi, não tive essa
ascensão, de modo a ser minha subida definitiva ao céu para ocupar meu trono mediatório.
Esse é o sentido do que Jesus disse a Maria Madalena.
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Jesus absolutamente não disse: “Não subi ao Pai”. Traduzir assim é pecado contra
sua linguagem. No momento de sua morte, Ele bradou em alta voz: “Pai, em tuas mãos
entrego o meu espírito” (Lucas 23.46). Ele disse ao criminoso convertido, numa das
cruzes do Calvário: “Hoje estarás comigo no paraíso” (Lucas 23.43). João diz que
Ele “rendeu o espírito”. A quem, senão ao Pai? Para onde, senão para a casa de
seu Pai, em doce antecipação de sua volta definitiva daí a uns quarenta dias? Mas, o tempo
perfeito do verbo ASCENDER trata de sua ascensão formal. Jesus foi ao céu quando morreu,
mas subiu definitivamente para o céu e ficou, na ascensão. Nós nos unimos com Ele no céu no
momento de nossa morte.” (Taylor, W.C. Evangelho de João. Rio: Casa Publicadora
Batista, 1945, 1o volume, pp. 325-326). Meu mestre de Escatologia, no Southwestern Baptist
Theological Seminary, em Fort Worth, Texas, USA, dr. Ray Summers, afirmava: “Os
justos desincorporados estão com Deus. A declaração em Eclesiastes 12.7, de que o espírito
volta a Deus, que o deu, acha-se repetida em passagens do Novo Testamento”
(Summers, R. A Vida no
Além . Rio:
JUERP, 2a ed, tradução de A. Ben Oliver, 1979, pág. 31). Em meu livro
Dificuldades Bíblicas e Outros Estudos
, volume 1, 2a edição, ao comentar sobre João 3.23 e 20.17, cito muitos teólogos que abonam
a doutrina que esposamos neste artigo. Todos são unânimes em afirmar a mesma verdade
aqui apresentada, de que Jesus, ao expirar na cruz, foi imediatamente ao paraíso, levando
para lá como um troféu de sua obra realizada aqui na terra o ladrão que se convertera. Os
ímpios, aos morrerem vão logo para o inferno Isso é o que ensina a Escritura Sagrada.
Na célebre parábola do “Rico e Lázaro” (Lucas 16.19-31), Jesus inculca justamente
esse ensino. Lázaro está no “seio de Abraão”. Essa é uma expressão metafórica da
presença de Deus. Abraão, o “pai da fé”, o “amigo de Deus”, é tido,
entre os judeus, como a figura máxima, porque Deus lhe fez a promessa de fazer dele uma
grande nação (Gênesis 12.1-3). Daí usarem a expressão “estar no seio de Abraão”,
que equivalia a dizer estar gozando das delícias celestiais. Essa expressão “seio de
Abraão” e “paraíso” são sinônimos de céu. Já o rico epulão está no Hades
(inferno), de onde, ao erguer os olhos, estando em tormentos, “viu ao longe a Abraão e
Lázaro, no seu seio” (Lucas 16.23b). O Dr. Ray Summers comenta: “Os maus
desincorporados estão sofrendo castigo. Foi assim o caso do rico. Ele morreu e achou-se
imediatamente em estado de tormento. A intensidade de seu sofrimento se reflete na sua
súplica pelo ministério confortador de Lázaro e no desejo de que seus irmãos escapassem
daquele destino” (Summers, R., op. cit. p. 35). A “Declaração Doutrinária da
Convenção Batista Brasileira” assim diz no ítem XVIII, sobre a morte: “Com a morte,
está definido o destino eterno de cada homem. Pela fé nos méritos do sacrifício substitutivo de
Cristo na cruz, a morte do crente deixa de ser tragédia, pois ela o transporta para um estado de
completa e constante felicidade na presença de Deus. A esse estado de felicidade as
Escrituras chamam “dormir no Senhor” (Dn 12.2,3; Jo 5.28,29; At 24.15; 1Co
15.12-24). Os incrédulos e impenitentes entram, a partir da morte, num estado de separação
definitiva de Deus (Mt 13.49,50; 25.14-46; At 10.42; 1Co 4.5; 1Co 5.10; 2Tm 4.1; Hb 9.27; 2Pe
2.9; 3.7; 1Jo 4.17; Ap 20.11-15; 22.11,12).
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Conclusão Pelo que expusemos, usando os textos bíblicos e de acordo com os seus contextos,
e mais as citações de eminentes teólogos batistas e a “Declaração Doutrinária da
Convenção Batista Brasileira”, não fica dúvida de que a resposta à pergunta “Onde
estão os mortos?” é essa mesma: Os justos estão no céu e os ímpios, no inferno.
O apóstolo Pedro, em sua 1a epístola, capítulo 3, versos 18 a 20, escreveu: “Porque
também Cristo morreu uma só vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a
Deus; sendo, na verdade, morto na carne, mas vivificado no espírito; no qual também foi, e
pregou aos espíritos em prisão; os quais noutro tempo foram rebeldes, quando a
longanimidade de Deus esperava, nos dias de Noé, enquanto se preparava a arca; na qual
poucas, isto é, oito almas se salvaram através da água.” Alguém denominou esse texto
de “O Oráculo negro do Novo Testamento”; e outro, de crux interpretum. É no
Credo Apostólico que aparece a frase: “descensus ad ínferos”. Não é de hoje que
os comentadores bíblicos buscam desatar o “nó górdio” desse problema. Alguns,
sem muita base, vão logo lançando o que descobriram, julgando que isso é a verdade
axiomática. Aceitam qualquer magister dixit. Outros preferem se abster de se pronunciar sobre
certos temas bíblicos, considerando-os como um “ovo de Colombo”. Eis algumas
perguntas que deveriam ser feitas e comentadas, se o espaço nos permitisse: 1. Que espírito
eram estes referidos por Pedro? Têm aparecido três tipos de respostas: 1) São os anjos
decaídos (2Pedro 2.4; Judas 6); 2) Os patriarcas; 3) Os rebeldes do tempo de Noé. 2. Quem
pregou? São sugeridos os nomes: 1) Cristo; 2) Noé; 3) Os apóstolos; 4) O Espírito Santo. 3. A
quem se pregou? Há duas sugestões: 1) Aos bons; 2) Aos maus. 4. Em que prisão? Há quatro
sugestões: 1) No inferno; 2) No tártaro; 3) À “prisão do corpo”; 4) À “prisão do
pecado”. 5. O que foi pregado? Sugerem: 1) Salvação; 2) Condenação; 3) Sua vitória. 6.
Em que espírito? Sugerem: 1) No Espírito Santo; 2) No espírito de Cristo; 3) No espírito do
demônio. 7. Em que tempo isso ocorreu? 1) Durante o tempo em que o corpo esteve na
sepultura; 2) No tempo de Noé. Agora, vejamos a interpretação que se coaduna com o teor
geral da Bíblia. Pedro está escrevendo a sua primeira epístola “aos peregrinos da
Dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia” (cap. 1.1). Exorta os crentes a
terem uma vida exemplar e os anima quanto à perseguição que sofriam e que ainda viriam a
sofrer, pois, de Roma, onde Nero imperava, se irradiava a terrível perseguição contra os
cristãos. Eles estão dispersos, mas, ali, a perseguição os atingiria. Pedro lhes mostra, então,
como foi o comportamento de Cristo. Eles deveriam imitá-lo. Eles deveriam estar cônscios de
que, assim como o espírito de Cristo estivera, no passado, com Noé (v. 20), que recebeu
afrontas, escárnios, provações mil quando pregava aos antediluvianos, os
“peregrinos”, do mesmo modo, deviam, pacientemente, receber as perseguições,
pois, para eles, estava assegurada a maravilhosa esperança - a ressurreição, que Cristo
prometera.
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Tendo morrido, Cristo foi, durante o tempo em que seu corpo esteve na sepultura, tanto ao céu,
onde levou o ladrão arrependido (Lucas 23.43), quanto ao inferno, para demonstrar o seu
poder. Ali, aos “espíritos em prisão” que foram rebeldes, nos dias do patriarca Noé,
e que rejeitaram a longanimidade de Deus, enquanto se preparava a Arca, e durante 120 anos
de pregação, ali, repito, aos “espíritos em prisão”, Jesus fez a proclamação de seu
triunfo sobre a morte e o pecado, descendo “às partes mais baixas da terra”, como
afirma o apóstolo Paulo em Efésios 4.9. Portanto, proclamou sua vitória àqueles que não o
aceitaram, quando pregou, através de Noé, o que, em última análise, foi também proclamação
condenatória. Existe oportunidade de salvação após a morte? Alguns inferem do texto em tela
que há oportunidade de salvação após a morte. É ledo engano. Vêem coisas que o texto não
diz. Querem se basear na expressão “pregou aos espíritos em prisão”. Não existe
uma segunda oportunidade de salvação após a morte. O que ocorre, após esta, é o juízo
(Hebreus 9.27). Vê-se que o verbo empregado por Pedro é ekêryxen, que se deriva de kerysso
, que significa “proclamar u'a mensagem como um arauto”. Se Pedro quisesse
ensinar oportunidade de salvação após a morte, não teria usado o verto citado, mas, sim,
euangelizamai, cujo sentido é “pregar ou levar as boas-novas”. Mas Pedro não faria
isto, porque sabia que só há salvação nesta vida. A Igreja Católica ensina que Jesus, no
intervalo que ocorreu entre sua morte e a ressurreição, desceu ao
limbus patrum
. Ali pregou aos fiéis do Velho Testamento, para poderem alcançar a salvação. Isso é engano.
Hendel Haris e outros eminentes eruditos têm verificado que as primeiras palavras do versículo
19 (no qual também, en ho kai ) contêm as letras do nome Enok. Acham que, no original, estava “Enok foi e
pregou”. Mas, por distração de algum copista, a frase foi modificada. A hipótese é
aceitável. Porém, os manuscritos antigos não apresentam a forma que Hendel sugere. E, por
remate, cito o que escreveu o célebre bispo de Hipona, Agostinho: “Os espíritos
encarcerados na prisão são os ímpios que viviam no tempo de Noé, cujos espíritos ou almas
se achavam presos na escuridão da ignorância, como em uma prisão; Cristo pregou a eles,
não na carne, pois ainda não se encarnara, mas no espírito, isto é, em sua natureza
divina” (Ad Evodiam, ep. 99). Observação: Deixo de comentar a primeira parte, onde são feitas as sete perguntas,
para não alargar o artigo. Em meu livro Dificuldades Bíblicas