O professor como estudante

Rousas J. Rushdoony

Os melhores professores não são os doutores; muitos doutores

vêem a si mesmos como produtos acabados, sem necessidade de

crescimento. Em meus próprios dias de estudante na Universidade de

Berkeley, era raro um membro da faculdade que continuava seus

estudos depois de se tornar professor em tempo integral. Muitos dos

professores mais antigos utilizavam planos de aula preparados pela

primeira vez durante os anos da Primeira Guerra Mundial, contavam as

mesmas anedotas antigas e desgastadas, e estavam muito vagamente

familiarizados com as pesquisas mais recentes em seu campo. Haviam

deixado de ser estudantes e por isso se tornaram irrelevantes.

Poderia se argumentar que um professor de universidade ou

curso necessita crescer, mas um professor de primário ou secundário

não. Qual a necessidade de um professor de segundo grau se manter

em dia e crescer como estudante?

A aprendizagem implica, entre outras coisas, disciplina, um

desejo de aprender e comunicar. Não podemos incutir em outros o

desejo de crescer se nós mesmos não o temos. A maioria dos bons

mestres regozija-se no estudo. Um professor pode ensinar aos alunos

como

ler, porém o amor

pela leitura vem, ao menos em parte, através

de um mestre que tem a leitura em alta estima. Como alguém que

sempre gostou de estudar História, posso recordar das grandes

diferenças no ensino dessa matéria por parte de meus professores

desde a escola primária até a universidade. Com alguns foi um “tédio

mortal”; com outros foi uma emocionante descoberta de significado.

Além disso, normalmente quanto maior é nosso domínio de uma

disciplina, maior é nosso interesse por ela. No banquete anual de uma

sociedade médica fiquei estupefato ao descobrir que as esposas de três

médicos em minha mesa sabiam muito mais sobre esportes do que a

maioria dos homens. Podiam citar estatísticas, lembrar de jogadas e

fornecer currículos quase como se fossem repórteres profissionais.

Originalmente todas detestavam completamente esportes. Casando com

médicos que tinham muitas emergências noturnas, se voltaram para a

televisão e pouco a pouco foram se interessando por esportes, até se

converterem em pessoas notavelmente informadas a respeito de várias

modalidades. Na medida em que crescia seu conhecimento, seu

interesse também cresceu. Da mesma forma, estas três mulheres tinham

um conhecimento muito extenso das áreas de especialização médica de

seus respectivos maridos e estavam interessadas nas novas idéias de

seus campos profissionais.

O professor que não cresce em conhecimento de suas matérias,

em sua metodologia e conteúdo, é um professor muito limitado, e seus

estudantes são aprendizes “subprivilegiados”.

A aprendizagem é em parte uma disciplina. Um professor

indisciplinado é um fraco aprendiz e, geralmente, um fraco professor.

Quais são as características de uma pessoa indisciplinada? A pessoa

indisciplinada, seja um professor, pastor, dona de casa ou homem de

negócios tem,

primeiro

, uma grande quantidade de trabalho atrasado

que nunca termina. É verdade que muitos de nós recebemos uma

quantidade tão grande de trabalho que se torna impossível realizá-lo na

quantidade de tempo de que dispomos, porém, com a pessoa

indisciplinada, mesmo as tarefas básicas ficam por fazer.

Segundo

, a pessoa indisciplinada acha suas obrigações

desagradáveis porque se sente cada vez mais acossada por um triste

sentimento de culpa devido a todas as obrigações não terminadas. Este

sentimento de culpa conduz à ansiedade; também atrapalha o repouso,

e mesmo que tire férias, o repouso lhe foge. De modo que a vida se

acinzenta, e a paz se perde em razão das tarefas por concluir.

Terceiro

, uma pessoa indisciplinada acha difícil iniciar uma tarefa.

O tempo não é o apropriado, ou é muito pouco, ou se está muito

cansado, e o trabalho se posterga. E quando inicia ocorrem todo tipo de

pequenas interrupções: apontar os lápis, pegar um copo d’água, e assim

por diante, supostamente para facilitar o trabalho, porém, na realidade,

tudo isto serve para ir matando o tempo e deixando tudo para depois.

Assim o trabalho só é feito no último minuto; ignorando as leituras

necessárias, e tudo o mais.

Como podemos evitar este tipo de problema? Ou, melhor ainda,

como o criamos? Nosso problema é este: deixamos por último o

trabalho que menos nos agrada fazer, e então, já cansados, temos todo

tipo de “boas” desculpas para não fazê-lo. A chave para uma boa

disciplina de trabalho é fazer primeiro todas aquelas coisas que menos

gostamos, ou que não gostamos de modo algum. Porque as faremos de

cabeça fresca. Quando as terminamos, estamos livres para fazer as

coisas que gostamos. Ao invés de trabalhar com um impertinente

sentimento de culpa, trabalhamos em feliz liberdade. Ademais,

trabalhamos com maior eficiência, rendimento e concentração.

Outro assunto que precisamos tratar é a comunicação. Em todo

ensino, nos comunicamos com nossos estudantes. Um dos perigos de

ser mestre ou pregador é que sempre estamos falando. Falar pode ser

uma barreira para a aprendizagem e a comunicação, ou o meio mais

importante para elas. Podemos encher nosso discurso com todo tipo de

informação que não vem ao caso e passar por cima do fundamental.

Outros tratam de demonstrar seu raciocínio com tantos textos

/

prova e

argumentos que ao fim já esquecemos o que era mesmo que se estava

querendo provar!

Nosso ensino deve estar bem organizado e sistematizado; se nós

mesmos não temos a inclinação por ordenar nosso pensamento, nosso

ensino também não o terá. De modo que o verdadeiro professor está

sempre disciplinando a si mesmo com vistas a transmitir uma

aprendizagem disciplinada a seus alunos.

O professor como estudante é, antes de tudo, um estudante da

palavra de Deus. Ser

estudante

significa avançar e crescer. Um pastor

cujos filhos terminaram todos muito mal sempre dedicou um tempo de

leitura da Bíblia pela manhã e à tarde antes das refeições. De modo que

lia as Escrituras constantemente, na mesa, em seu escritório, e nos

cultos. Porém, em sua pregação atual não há mais compreensão do

significado de um texto do que havia vinte e cinco anos atrás: ele diz

hoje as mesmas coisas que dizia antes, sem nenhum crescimento em

seu conhecimento da Escritura.

Em poucas palavras, ele lê como um ritual, e sem entendimento.

Também devemos acrescentar que lê sem o Espírito Santo, pois nosso

Senhor nos disse muito claramente que o Espírito Santo, acima de

todos, é nosso Mestre: “o Espírito santo, a quem o Pai enviará em meu

nome, esse vos ensinará todas as coisas” (João 14:26). Também nos diz

que o Espírito Santo é o fundamento de toda verdadeira aprendizagem:

“E vós possuís unção que vem do Santo e todos tendes conhecimento” (1

João 2:20). Alguns outros textos que falam do Espírito Santo como

mestre são:

Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a

verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver

ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. (João 16:13)

Quanto a vós outros, a unção que dele recebestes permanece em vós, e

não tendes necessidade de que alguém vos ensine; mas, como a sua

unção vos ensina a respeito de todas as coisas, e é verdadeira, e não é

falsa, permanecei nele, como também ela vos ensinou. (1 João 2:27)

Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele que

não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto conhecemos o espírito da

verdade e o espírito do erro. (1 João 4:6)

O Espírito Santo é o mestre de “toda verdade”. Somente aqueles

que pelo Espírito conhecem a Cristo como Senhor de sua salvação

podem conhecê-lo como o Criador, e o Senhor de todas as artes,

ciências e da aprendizagem.

Nosso crescimento no ensino

requer

nosso crescimento por meio

do Espírito Santo e debaixo de seu ensino. Devemos nos converter em

bons estudantes como passo necessário para chegarmos a ser bons

mestres. Nossa profissão recebe grande destaque na Escritura: nosso

Senhor foi Mestre, e o Espírito Santo é nosso Mestre contínuo. Não

podemos atender a nosso chamado de forma medíocre, nem entristecer

o Espírito Santo abusando de nosso chamado.

Tradução: Márcio Santana Sobrinho

Fonte: The Philosophy of the Christian Curriculum, p. 132-135.

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