Charles H. Spurgeon
A piedade jovem conduz à piedade perseverante. Obadias pôde dizer: “Tenho adorado o Senhor desde a minha juventude.” O tempo não o havia mudado: qualquer que tenha sido sua idade, sua religião não deteriorara. Todos nós gostamos de novidade, e já vi alguns homens caírem no mal, como se fosse por uma mudança. Não se trata de se queimar até a morte no martírio que é a obra dura; tostar-se perto de um fogo lento é um teste de firmeza muito mais terrível. Continuar com graça durante uma longa vida de tentação é ser gracioso de fato. Pois a graça de Deus converter um homem como Paulo, que está cheio de ameaças contra os santos, é uma grande maravilha; mas a graça de Deus preservar um crente por dez, vinte, trinta, quarenta, cinqüenta anos, é milagre igualmente grande e merece mais de nosso louvor do que geralmente ganha. Obadias não foi afetado pela passagem do tempo; ele foi visto quando velho o que era quando jovem.
Nem foi ele levado pela moda daqueles tempos maus. Ser servo de Jeová era considerado coisa desprezível, antiga, ignorante, coisa do passado; o culto a Baal era o “pensamento moderno” da hora. Toda a corte andava atrás do deus de Sidon, e todos os cortesãos iam pelo mesmo caminho. Meu lorde adorava Baal, e minha dama adorava Baal, porque a rainha adorava Baal; mas Obadias disse: “Tenho adorado o Senhor desde a minha juventude.” Bendito é o homem que não se importa com a moda, pois ela passa. Se por um tempo ela se entusiasma pelo erro, o que faz o homem crente senão permanecer firmemente com o certo? Obadias nem era afetado pela ausência dos meios de graça. Os sacerdotes e levitas tinham fugido para Judá, e os profetas foram mortos ou tiveram de se esconder, e não havia culto público de Jeová em Israel. O templo estava lá longe em Jerusalém; portanto, ele não tinha oportunidade de ouvir qualquer coisa que pudesse fortalecê-lo ou incentivá-lo; contudo, mantinha seu curso.
Além disso, havia as dificuldades de sua posição. Ele era mordomo do palácio. Se tivesse agradado Jezabel e adorado Baal, talvez se sentisse mais seguro em sua posição, pois teria patrocínio real; mas estava ali, governador na casa de Acabe, mas temente a Jeová. Deve ter tido que caminhar muito delicadamente, e vigiar bem suas palavras. Imagino que ele tenha se tornado uma pessoa muito cautelosa, e que tivesse um pouco de medo mesmo de Elias, esperando que não lhe desse uma ordem que pudesse levar à sua destruição. Tornou-se extremamente prudente, e olhava as coisas em volta para nem comprometer sua consciência nem pôr em perigo sua posição.
É preciso ser um homem notavelmente sábio para fazer isso, mas aquele que pode fazê-lo deve ser louvado. Ele não fugiu de sua posição, nem retrocedeu de sua religião. Se tivesse sido forçado a fazer coisa errada, tenho certeza de que teria imitado os sacerdotes e levitas, e fugido para Judá, onde o culto a Jeová continuava; mas sentiu que, sem ceder à idolatria, podia fazer algo a favor de Deus em sua posição avantajada, e assim se determinou a ficar e a lutar até o fim.
Quando não há esperança de vitória, você pode resolver se retirar; mas é um bravo homem aquele que, quando a corneta soa o toque de retirada, não o ouve, que põe seu olho cego à luneta e não pode ver o sinal de cessar fogo, mas segura sua posição contra todas as probabilidades, e causa todo o prejuízo possível ao inimigo. Obadias foi um homem que na verdade “segurou o forte”, pois sentiu que quando todos os profetas estavam condenados por Jezabel, era papel dele ficar perto da tigre fêmea e salvar a vida de pelo menos cem servos de Deus do poder cruel dela. Se não pudesse fazer mais, com isso já não teria vivido em vão. Admiro o homem cujo poder decisivo é igual à sua prudência, embora eu tivesse temido muito ocupar um lugar tão perigoso. O caminho que seguia era equivalente a andar na corda bamba com Blondim.
Eu mesmo não gostaria de tentar isso, nem recomendo que alguém tente um feito tão difícil. O papel de Elias é muito mais seguro e grandioso. O curso do profeta era simples; não tinha de agradar, e sim de reprovar Acabe; e não tinha que ser cauteloso, mas agir de um modo ousado e forte pelo Deus de Israel. Quanto parece ser o homem mais importante quando os dois estão de pé juntos diante de todos nós. Obadias cai com o rosto na terra e o chama “Meu senhor Elias”; e estava certo, porque era seu inferior. Mas eu preciso não cair moralmente na veia de Elias para que não precise deter-me com uma parada brusca. Foi um grande feito Obadias poder gerenciar a casa de Acabe com Jezabel nela, e mesmo assim, com tudo isso, ganhar essa comenda do Espírito de Deus, que ele temia ao Senhor grandemente.
Ele perseverou, também, não se opondo ao seu sucesso na vida; e isso é crédito dele. Nada há mais perigoso para um homem do que prosperar neste mundo, e tornar-se rico e respeitável. Naturalmente, nós o desejamos, lutamos por isso; mas quantos que, ao ganhar, têm perdido tudo, quanto à riqueza espiritual! Antes, o homem amava o povo de Deus, e agora diz: “São uma classe vulgar de pessoas.” Conquanto pudesse ouvir o evangelho, ele não se importava com a arquitetura do prédio da igreja; mas agora que se tornou crítico de arte, precisa ter uma torre, arquitetura gótica, um púlpito de mármore, trajes sacerdotais, um belo jardim, e toda sorte de coisas bonitas. À medida que encheu o bolso, esvaziou o coração. Ficou longe da verdade e dos princípios ao prosperar quanto aos bens materiais. É um negócio ruim, que em certo tempo ele teria sido o primeiro a condenar. Não há nobreza nessa conduta; é covarde até o último grau.
Deus nos salve dessa situação; mas muitas pessoas não são salvas dela. Sua religião não é matéria de princípios, mas matéria de interesses: não é a busca da verdade, mas uma ansiedade por alta sociedade, seja isso o que for; não é seu objetivo glorificar a Deus, mas obter maridos ricos para as filhas; não é a consciência que os guia, mas a esperança de poder convidar um nobre cavaleiro para jantar com eles, e poder comer na mansão dele depois. Não pense que é sarcasmo meu: falo com tristeza de coisas que deixam a pessoa envergonhada. Ouço falar delas diariamente, embora não me afetem pessoalmente. Vivemos uma época de maldades disfarçadas sob a noção de respeitabilidade. Deus nos envie homens do calibre de John Knox, ou, se preferir, do metal inquebrável de Elias; e se esses provarem ser muito duros e sérios podemos nos contentar com homens como Obadias. É possível que estes sejam mais difíceis de produzir do que os Elias: mas com Deus, todas as coisas são possíveis.
Obadias, com sua graça precoce e decisão perseverante, tornou-se um homem de piedade eminente, e isso é mais admirável considerando o que ele era e onde estava. Piedade eminente em um lorde da corte de Acabe! Essa é mesmo uma maravilha da graça. A religião desse homem era intensa dentro dele. Se ele não fazia o uso aberto dela que Elias fazia, é que não tinha sido chamado para tal carreira, mas ela residia fundo em sua alma, e os outros sabiam disso. Jezabel o sabia, sem dúvida nenhuma. Ela não gostava dele, mas precisava suportá-lo; olhava-o de lado, mas não podia desalojá-lo. Acabe aprendera a confiar nele e não podia passar sem ele, pois provavelmente lhe fornecia um pouco de força de mente. É possível que Acabe gostasse de segurá-lo só para mostrar a Jezabel que ele podia ser teimoso se quisesse, e ainda era um homem.
Qualquer que seja a explicação, é fora do comum que no centro da rebelião contra Deus houvesse alguém cuja devoção a Deus fosse intensa. Como é horrível achar um Judas entre os apóstolos, assim é grandioso descobrir um Obadias entre os cortesãos de Acabe. Que grande graça deve ter estado em operação para manter um fogo desse no meio do mar, tal piedade no meio da mais vil iniqüidade!
A religião de sua juventude tornou-se para Obadias uma piedade confortável depois. Quando ele pensou que Elias estava para expô-lo a grande perigo, pleiteou seu longo tempo de serviço prestado a Deus, dizendo “temo ao Senhor desde a minha mocidade”; assim como Davi, quando ficou velho, disse: “Desde a minha juventude, ó Deus, tens me ensinado, e até hoje eu anuncio as tuas maravilhas. Agora que estou velho, de cabelos brancos, não me abandones, ó Deus” (Sl 71.17-18a). Será um grande consolo para as pessoas, quando idosas, olharem para uma vida que foi passada no serviço de Deus. Você não confiará nela, não achará que tem mérito; mas bendirá a Deus por ela. Um servo que esteve com seu mestre desde a mocidade não deve ser dispensado da casa quando se torna grisalho. Um mestre correto respeita a pessoa que o serviu muito tempo e bem. Suponha que você tenha tido uma ama que cuidou de você quando era criança, seria capaz de colocá-la na rua quando ela não pudesse mais fazer o seu trabalho? Não, você faria o que pudesse por ela; se pudesse, não a deixaria viver num asilo. Ora, o Senhor é muito mais bondoso e gracioso do que nós, e ele nunca deixará seus velhos servos desamparados.
Fonte: Capítulo 19 do excelente livro Pescadores de Crianças: Orientação prática para falar de Jesus às crianças, de Charles H. Spurgeon, publicado pela Shedd Publicações.