A Demanda
Quando Tiago I assumiu o trono da Inglaterra, ele fundou a Igreja Estabelecida, num estado lamentavelmente dividido. Havia o partido dos Conformistas, que estavam satisfeitos com as coisas conforme se encontravam, e o partido dos Puritanos, que ansiavam por coisas melhores e estavam determinados a consegui-lo. Os dois partidos apelaram ao Rei e os Puritanos tinham grande esperança de que o Rei favorecesse o seu lado. Em outubro de 1603, Tiago convocou uma Conferência, a qual deveria acontecer no Palácio Hampton Court, em janeiro de 1604, “a fim de ouvir e determinar as coisas pretensamente em falta na Igreja”. No que se refere aos objetivos principalmente visados, essa Conferência resultou num fracasso. Mesmo assim, teve início o movimento visando uma versão da Bíblia inglesa, agora amplamente aceito.
Nessa ocasião, estavam presentes os principais divinos [eclesiásticos], advogados e leigos da Igreja da Inglaterra. Entre estes encontrava-se o Dr. John Reynolds, presidente do Corpus Christ College, em Oxford. No segundo dia da Conferência, este cavalheiro, ao longo da discussão, sugeriu ao Rei que uma nova tradução da Bíblia seria excessivamente bem-vinda, por causa do excesso de erros existentes na versão que estava em uso naquele tempo. A sugestão deu lugar a uma ação, a qual, após certa demora, resultou em medidas para a publicação da Versão Autorizada King James.
A princípio, o partido eclesiástico resistiu ao movimento, achando que os Puritanos estavam levando vantagem. Mas os Puritanos logo começaram a agir em favor do movimento. Enquanto isso, o sábio Rei conduziu as coisas de modo a conseguir a cooperação de ambos os partidos. Ele decidiu favorecer bastante a proposta dos Puritanos, mas também declarou que a versão inglesa da Bíblia de Genebra era a pior de todas, o que agradou aos Conformistas.
Os arranjos para a nova versão foram completados com a nomeação de 54 homens eruditos, os quais deveriam receber sugestões de todas as pessoas competentes, conforme o Rei declarou: “Nossa tradução pode receber a ajuda e melhoria de todos os principais eruditos dentro deste reino”. Esta atitude real, mais a remoção de todas as suspeitas e os indubitáveis méritos do caso, trouxeram concordância da parte dos que antes haviam se oposto ao movimento. As instruções de Sua Majestade para os tradutores foram as seguintes:
Instruções aos Tradutores:
1. - A Bíblia normal lida na Inglaterra, geralmente chamada “Bíblia dos Bispos” deve ser seguida, podendo ser alterada ao mínimo possível, conforme permitido pelo original.
2. - Os nomes dos profetas e dos autores sacros, bem como os outros nomes do texto, devem ser mantidos o mais próximo possível, conforme vulgarmente usados.
3. - As antigas palavras eclesiásticas devem ser mantidas, como a palavra “igreja”, a qual não deve ser traduzida como “congregação”.
4. - Quando uma palavra tiver várias significações, deve ser mantida a significação usada pelos líderes eminentes, conforme a propriedade do local e as analogias da fé.
5. - A divisão dos capítulos não deve ser alterada, de modo algum, ou, se for o caso, que seja o mínimo possível.
6. - Nenhuma nota marginal, em hipótese alguma, deve ser afixada, a não ser no caso de explanação das palavras gregas e hebraicas, as quais não tenham sido claramente expressadas no texto.
7. - Algumas citações de lugares devem ser marginalmente estabelecidas, conforme necessárias para fixar referência de uma Escritura para a outra.
8 - Cada individuo de cada companhia, que estiver encarregado do mesmo capítulo ou capítulos, tendo-os traduzido ou emendado fortemente, quando tiver achado necessário, deve combinar com os demais, confirmando o que foi feito, para que haja um acordo na continuação da obra.
9. - Quando qualquer companhia tiver despachado qualquer livro, desta maneira, o dito deve ser enviado a todos os demais, a fim de que seja judicialmente considerado, pois Sua Majestade é muito cauteloso neste ponto.
10.- Se alguma companhia, após a revisão do livro que foi enviado, tiver alguma dúvida ou divergir sobre alguns lugares, acrescentando as razões com as quais concorda ou não, a diferença deve ser considerada numa reunião geral, com um dos principais membros da companhia, no final da obra.
11.- Quando houver qualquer dúvida sobre algum lugar obscuro, cartas devem ser dirigidas pela autoridade a qualquer homem erudito naquela terra, para o seu julgamento sobre o lugar.
12.- Cartas devem ser entregues, em mão, a cada bispo e ao resto do clero, avisando-os desta tradução para que haja um mover de todos que são peritos nas línguas desses lugares, para que façam suas observações particulares à companhia ou a Westminster, Cambridge ou Oxford, conforme foi antes esclarecido na carta do Rei para o Arcebispo.
13.- Os diretores de cada companhia devem ser Deões de Westminster, Cambridge ou Oxford, e professores de Hebraico e Grego, nas duas universidades.
14.- Traduções devem ser usadas, quando concordarem mais com os textos do que a Bíblia dos Bispos, de Tyndale, de Coverdale; de Mateus (Roger’s), de Whitchurch (de Cramamer), de Genebra.
15.- Conforme a última regra, “Três ou quatro dos mais antigos e exigentes divinos, em qualquer das universidades, não empregados na tradução, devem ser encarregados de supervisionar a tradução, para melhor observação da regra quatro”.
Somente os 47 homens nomeados para esta obra são conhecidos como tendo se engajado na mesma. Estes foram divididos em seis companhias: duas em Oxford; duas em Cambridge e duas em Westminster. Eles foram mais que duramente supervisionados pelo Deão de Westminster e por dois professores hebreus das universidades.
À primeira companhia, em Westminster (10 membros) foi confiado o Velho Testamento, até o II Livro de Reis. À segunda companhia (sete membros) foram entregues as Epístolas.
À primeira companhia em Cambridge (oito membros) foram confiados o II Livro de Crônicas e Eclesiastes. À segunda companhia (sete membros), foram entregues os livros apócrifos.
À primeira companhia em Oxford (sete membros) foram confiados os livros proféticos, de Isaías até Malaquias. À segunda companhia (oito membros) foram confiados os quatro evangelhos, o Livro de Atos e o Livro do Apocalipse.
Alguns dos principais tradutores eruditos foram os seguintes:
1. - Dr. Launcelot Andrewes (1555-1622) - Deão de Westminster, o qual presidiu a companhia de Westminster. Eis o que Fuller disse a respeito dele: “A carente erudição deste mundo gostaria de conhecer quão erudito era este homem, tão habilidoso em tudo (especialmente) nas línguas orientais, tanto que alguns imaginam que ele poderia, se fosse então vivo, servir de intérprete na confusão das línguas”. Ele se tornou, sucessivamente, Bispo de Chichester, de Ely e Winchester.
2. - Dr. Edward Lively (falecido em 1605) - Régio Professor de Hebraico em Cambridge e, portanto, presidente da companhia. Era profundo em seu conhecimento de línguas orientais, especialmente do Hebraico. Foi professor de Hebraico durante 25 anos. Sua morte foi uma grande perda para a obra que ele começou e não pôde terminar.
3. - Dr. John Overall (1559-1612) – Tornou-se Professor de
Divindade em Cambridge, em 1596, e em 1604, foi nomeado Deão da Catedral de São Paulo, em Londres. Era considerado por alguns como o mais erudito divino da Inglaterra. Em 1614, tornou-se o Bispo de Lichtfield e de Coventry. Em 1618, foi transferido para a Sé de Norwich.
4. - Dr. Adrian de Saravia (1531-1612) - Dizem que ele foi o único estrangeiro empregado na obra. Nasceu em Artois, França. Sei pai era espanhol e sua mãe, belga. Em 1582, ele se tornou Professor de Divindade em Leyden. Em 1587, foi para a Inglaterra. Tornou-se “Prebend” de Canterbury e depois, “Cânon” de Westminster. Era notável pelo seu conhecimento de Hebraico.
5. - Dr. William Bedwell - Foi um dos maiores eruditos do seu tempo, na língua árabe. Ao morrer, ele deixou não concluídos os manuscritos de um léxico em Árabe e também um dicionário na língua persa.
6. - Dr. Lawrence Chadderton (1537-1640) - Foi durante 38 anos Mestre no Emanuel College, em Cambridge, sendo muito versado no conhecimento rabínico. Foi um dos poucos divinos puritanos entre os tradutores, tendo falecido na avançada idade de 103 anos.
7. - Dr. John Reynolds (1549-1607 ) - Foi o primeiro a sugerir a obra, tendo sido um homem de grandes realizações em Hebraico e Grego. Faleceu antes da revisão ter sido completada, tendo nela trabalhado durante sua enfermidade, enquanto suas forças lhe permitiram.
8. - Dr. Richard Kilbye (falecido em 1620) - Foi professor de Hebraico em Oxford, sendo reconhecido entre os primeiros hebraístas do seu tempo.
9. - Dr. Miles Smith 1568-1624) - Era um estudioso das obras clássicas, desde sua juventude, sendo conhecido como bastante versado no conhecimento rabínico, no Hebraico, Caldeu, Siríaco e Árabe. Recebeu o apelido de “Livraria Ambulante”.
10.- Dr. James Boyse, ou Bois (1560-1643) - Aos seis anos de idade, ele já conseguia escrever fluentemente o Hebraico. Durante 12 anos foi o principal Professor de Grego, no St. John College, Cambridge. O Bispo Andrews, de Ely, o tornou “prebend” em sua igreja, em 1615. Foi um dos mais laboriosos de todos os revisores.
11.- Sir Henry Seville (2549-1622) - Foi Supervisor oficial do Merton College, em Oxford, durante 36 anos. Dedicou sua fortuna ao encorajamento do aprendizado, tendo sido, ele mesmo, um erudito em Grego.
12.- Dr. Thomas Holland (1539-2612) - Foi Régio Professor em Divindade, no Exeter College, em Oxford, e também Mestre em seu colégio. Era considerado um prodígio em todos os ramos da literatura.
Conclusão da Revisão
Alguma parte da revisão, a qual, provavelmente, começou logo após a nomeação do comitê, com vigoroso esforço, foi adiada até 1607, por razão desconhecida. [N.T. - Segundo o escritor Dr. William P. Grady, no capítulo 13 do seu livro “Final Authority” sob o título “Entram os Jesuítas”, houve um atentado jesuíta contra o Rei e o Parlamento, em 1605, tentando impedir a concretização desta obra, tendo sido este um dos motivos do atraso].
Quando os tradutores concluíram sua obra, uma cópia de cada parte da mesma foi remetida a Oxford, Cambridge, Westminster e Londres, onde dois eruditos de cada um destes lugares fizeram uma revisão final, tendo sido supervisores o Dr. Miles Smith e o Bispo Wilson, após ter a mesma vindo da impressão. O Dr. Miles escreveu o prefácio intitulado “OsTradutores ao Leitor”.
As despesas da obra não foram assumidas pelo Rei, o qual declarou pobreza, mas por contribuições voluntárias dos bispos e homens de posses. Mas o Rei recompensou os tradutores com benesses, como férias e promoções eclesiásticas.
A obra foi entregue ao público em 1611, num volume impresso em letras pretas, sob o título completo a seguir:
“A Bíblia Sagrada, contendo o Velho Testamento e o Novo Testamento, recentemente traduzida das línguas originais; e com as primeiras traduções diligentemente comparadas e revisadas para o uso, por recomendação especial de Suas Majestades. Nomeada para ser lida nas igrejas. Impressa em Londres, por Robert Baker, o impressor das mais excelentes Majestades Reais, Ano Domo 1611.”
Nesse mesmo ano, o Novo Testamento foi publicado por proclamação real, por ordem do Concelho, por ato do Parlamento ou por voto de Convocação. Se as palavras “Nomeada para ser lida nas igrejas” foram usadas por ordem dos editores ou pela vontade do impressor, não sabemos. Os manuscritos desta obra foram completamente perdidos e desde 1655, não existe traço algum deles.
A página titulo fala desta revisão do seguinte modo:
“Com as últimas traduções diligentemente comparadas e revisadas”.
Dirigindo-se aos leitores, os próprios tradutores dizem: “Verdadeiramente, jamais imaginamos, desde o começo...
Que precisaríamos fazer uma nova tradução, quer fosse má ou boa, mas fazer uma melhor, que superasse todas as boas, uma tradução especialmente boa”. Falando deste reconhecimento, o Dr. Krauth, do comitê da versão atual, diz o seguinte: “Mesmo sem esta confissão, a Versão Autorizada iria contar sua própria história. Basta que ela seja comparada com as versões antigas para se ver o quanto ela é mais original, com muitas belezas características, das quais nenhuma das outras traduções jamais poderia se aproximar. Ela continua sendo, principalmente, uma revisão. Até mesmo suas belezas originais são, via de regra, o mosaico de uma estranha combinação de fragmentos da antiguidade. Comparando-a com os exemplares ingleses que ela segue, devemos dizer que ela não é fruto de sua floração, mas a colheita do seu fruto”.
O fato singular trazido à luz, dentro de alguns anos, é que no Ano 1611, foram publicadas duas edições distintas desta Bíblia. Ainda existem algumas cópias... Nas quais a página titulo é prefixada às edições posteriores. As duas edições de 1611 tinham títulos diferentes, mesmo tendo sido intercambiados. Uma edição teve capa de madeira... E a outra, uma elegante capa de cobre. Cada uma delas contém erros de leitura peculiares a cada uma. Uma edição, por exemplo, traz “Judas” em vez de “Jesus”, em Mateus 26:36. Outra tem parte do verso de Êxodo 14:10 repetido, tendo acontecido o que os impressores chamam “um doublé”. Em Gênesis 10:16, numa cópia pode-se ler “Emorite”, enquanto na outra lê-se “Amorite”. Uma diz em Ruth 3:15: “Ele entrou na cidade”, enquanto a outra diz: “Ela entrou na cidade”. Isto faz com que elas sejam designadas como A Grande He-Bíblia e A Grande She-Bíblia”.
Vencendo em seu caminho
O Rei Tiago fez grandes promessas referentes à nova versão. Ele declarou que ela “deveria ser ratificada pela autoridade real e adotada para uso exclusivo em todas as igrejas”. A página título dizia que a obra foi feita “por especial comando de Suas Majestades” e também que ela “é nomeada para ser lida em todas as igrejas”, e, finalmente, que ela procede da imprensa de “Robert Baker, o impressor das mais excelentes Majestades Reais”. Tudo isso parece ter garantido uma força civil para apressar uma nova versão para o uso geral, mas até que se tornasse lido, na história, ao Livro foi permitido seguir o seu caminho, contando apenas com seus próprios méritos. De fato, foi somente em 1611 que as Epístolas e os Evangelhos foram mudados no Livro de Orações, quando o texto autorizado substituiu a Bíblia dos Bispos. Os Salmos, no Livro de Orações da “Bíblia de maior volume no Inglês”, não apareceram até essa data.
Excelência da Versão Autorizada King James
O Rev. Dr. Talbot W. Chambers, um dos revisores da companhia encarregada do Velho Testamento disse, bela e verdadeiramente, o que vem a seguir, sobre a BKJ:
“Os méritos da Versão Autorizada, em matéria de fidelidade aos originais, são universalmente reconhecidos. Nenhuma outra versão, antiga ou moderna, pode superá-la, exceto a versão holandesa, a qual veio depois, tendo sido auxiliada pelos obreiros ingleses. Mas uma versão pode ser fiel sem ser elegante. Pode ser exata e não representar adequadamente as riquezas da língua na qual foi escrita. A glória da Bíblia inglesa é que, ao mesmo tempo em que transporta a mente do Espírito, com grande exatidão, ela o faz de tal maneira que este Livro tem se tornado o modelo mais elevado, atualmente existente em nossa língua. Lord Macauley a chama “uma obra estupenda, a qual se algo mais em nossa língua devesse perecer, ela bastaria para mostrar toda a extensão de sua beleza e poder”.
Mr. Huxley, de cuja tendência à reverência supersticiosa ninguém poderia suspeitar, disse o seguinte, a respeito desta versão: “Ela está escrita no mais puro e nobre Inglês e está repleta de belezas que excedem a mera forma literária”. O estilo usado nesta versão é exclusivo. Não foi usado o Inglês daquele tempo, falado ou escrito. De fato, Mr. Marsh em sua obra “Preleções Sobre a Língua Inglesa”, “garante que o dialeto usado não foi o de período algum... Nem mesmo a linguagem coloquial de qualquer povo inglês.”
Realmente, no que se refere ao estilo desta versão, a partir do mais antigo trabalho na versão inglesa, cada tradutor que veio em seguida foi melhorando a linguagem dos seus antecessores, usando, continuamente, o melhor de si, o que resultou na excelência final. A Versão BKJ combina, desse modo, uma variação de beleza e felicidade, com tudo de bom que havia antes.
Como testemunho final à excelência da Versão BKJ, vamos citar o Dr. F. W. Faber, o qual diz: “Quem diria que a beleza inigualável e o maravilhoso Inglês da Bíblia protestante tornar-se-ia um dos maiores baluartes contra a heresia, neste país? Ela faz morada no ouvido, como uma peça musical que jamais pode ser esquecida, como os sinos de nossas igrejas, que os convertidos nem mesmo sabem como funcionam. Suas nuances de beleza parecem, muitas vezes, se materializar, em lugar de serem simples palavras. Ela faz parte da mente nacional, sendo a âncora da seriedade nacional. Não é adorada com uma idolatria positiva em extenuação, de fanatismo grotesco, mas sua beleza se expõe, voluntariamente, ao homem de letras e ao erudito... As portentosas tradições da infância são estereotipadas em seus versos. A vida e todas as dores e provações de um homem estão interligados em suas palavras. [Esta Bíblia protestante] representa os melhores momentos de tudo que existe de suave, gentil e puro, falando ao leitor, sempre para o seu bem. Ela é uma coisa sagrada, a qual jamais foi minimizada pela dúvida ou desperdiçada pela controvérsia”.
Pesquisa: English Version - King James History
Traduzida e adaptada por Mary Schulze, em 25/06/2009.
http://www.projetoamor.com/news.php?readmore=2893