Glossário na Metodologia Exegética do AT

GLOSSÁRIO PARA A DISCIPLINA

METODOLOGIA EXEGÉTICA DO ANTIGO TESTAMENTO

Os termos são definidos a partir da ótica da exegese histórico-social do Antigo Testamento, com base na prática exegética. Para definições dos termos sob outras abordagens faz-se necessário consultar os manuais correspondentes.

  1. MÉTODOS DE PRETENSÃO EXEGÉTICA

MÉTODO HISTÓRICO-CRÍTICO: método exegético desenvolvido na Alemanha desde o século XVII, cuja principal característica é a pesquisa histórica de caráter crítico. Está ligado, na origem, também àquele que é considerado (por alguns) o pai da história moderna – Richard Simon. Trata-se basicamente de um conjunto de ferramentas técnico-metodológico-críticas (naturalmente, não isentas de pressupostos hermenêuticos), cujo propósito seria o de reconstituir o "pronunciamento" original do "autor" do "texto" sob análise, para o que se demanda a crítica histórica.

MÉTODO HISTÓRICO-SOCIAL: desenvolvimento crítico do método histórico-crítico com o suporte das ciências sociais. Suas abordagens tornaram-se sistemáticas a partir da década de 70, e está de certa forma ligado às transformações da própria pesquisa histórica no século XX, desde a Escola dos Anais de 1929, até a Nova História, mais recente. Usa as mesmas ferramentas que o método histórico-crítico, mas seu foco não está nas narrativas, mas a sociedade por trás das narrativas – daí a necessidade sentida das abordagens sociológicas e antropológicas contemporâneas do método. Está interessado na função que os textos tinham em seu contexto histórico-social de origem, bem como nas circunstâncias sempre histórico-sociais que determinaram as alterações que esses textos sofreram no decurso do tempo.

MÉTODO HISTÓRICO-GRAMATICAL: método “exegético” que propõe aproximação à narrativa bíblica a partir de seu pronunciamento tomado como descrição histórica – a narrativa é tomada como histórica, desde que não haja indicativo expresso do contrário. O método histórico-gramatical, dado o seu assentamento em comunidades de pressuposição exegética confessional, submete-se a desdobramentos tipológicos e alegóricos que chegam a superar a abordagem histórica da narrativa. Por tratar-se de confessionalidade de base cristã, a chave tipológica e alegórica do método é cristológica.

MÉTODO ESTRUTURALISTA: método derivado da escola francesa, hoje bastante difundido nos Estados Unidos da América, e recebendo alguma importância na Alemanha (nos grupos de exegetas desiludidos com o método histórico-crítico e ainda não definitivamente animados como o método histórico-social), baseia-se teórico-metodologicamente na teoria literária da intentio operis – a obra, em si mesma como sede do sentido da narrativa. O canonical aproach norte-americano tem sua origem numa reorientação do método histórico-gramatical a partir do método estruturalista.

  1. FERRAMENTAS EXEGÉTICAS

CRÍTICA TEXTUAL: ferramenta exegética cujo objetivo é a tentativa de reconstituição da narrativa original – consoantes, vocalização, palavras, versos, perícopes. Seu foco está na forma da narrativa, e não no sentido. Seu trabalho consiste em vários procedimentos: 1) na comparação entre diversos manuscritos da mesma narrativa; 2) na comparação entre manuscritos e antigas traduções da narrativa; 3) na análise interna da própria narrativa; 4) na análise de citações da narrativa em outros textos antigos, bíblicos ou não.

CRÍTICA LITERÁRIA: ferramenta exegética que possui diferentes definições, dependendo do contexto exegético onde seja definida. Se considerada em separado da crítica histórica, então consistiria numa tentativa de determinar a composição do texto. Julgo conveniente não distinguir crítica literária de crítica histórica. Nesse caso a crítica literária teria a função de tentar responder a algumas importantes questões: 1) quem escreveu o texto? 2) quando o texto foi escrito? 3) onde o texto foi escrito? 4) para quem o texto foi escrito? 5) por que o texto foi escrito? 6) para que o texto foi escrito? 7) a partir de que o texto foi escrito? 8) como o texto era usado? Uma vez que o texto consiste num instrumento de intervenção social utilizado num fenômeno de intervenção social, a tentativa de tentar responder a cada uma das questões intrínsecas à ferramenta, isolando-a, resulta na descaracterização do caráter histórico-social da função do texto. O sentido de texto deve ser tomado a partir de sua intencionalidade original, e as perguntas metodológicas – quem? quando? onde? para quem? por quê? para quê? a partir de quê? como? – constituem uma rede inter-relacionada de sentido. Portanto, se operacionalmente é possível focalizar cada pergunta metodológica, o esforço para respondê-las deve estar integrado a uma só perspectiva – a reconstrução do evento histórico-social determinante da produção do texto. A crítica literária quer descrever e explicar a redação de um texto unitário.

CRÍTICA DA REDAÇÃO: ferramenta exegética que tenta reconstituir todos os momentos histórico-sociais de intervenção numa narrativa. Operacionalmente constitui uma série de movimentos metodologicamente semelhantes à crítica literária, cabendo-lhe fazer à cada nível redacional da narrativa as mesmas perguntas metodológicas cabíveis àquela ferramenta. A crítica interna da narrativa é o fator determinante para a pressuposição da hipótese de a narrativa ter sofrido intervenções no tempo. Pressuposta a hipótese, a narrativa passa a ter não apenas um “autor”, mas tantos quantos tenham intervindo nela. Por exemplo, um texto x é escrito por um autor a numa época y; numa outra época, w, um outro autor, b, acrescenta palavra, palavras, frase e/ou frases àquela narrativa de que se constituía o texto x – pois bem: a e b são tratados sob a rubrica autor pela crítica da redação, cabendo a cada momento histórico-social que representam uma aproximação metodológica com base naquelas perguntas: quem, quando, onde, para quem, por que, para que, a partir de que e como. Outro exemplo: um autor a escreve um texto x numa época y; um autor b escreve numa época w outro texto independente, z; em outra época ainda, uma terceira pessoa une os textos x e z numa nova narrativa xz, acrescentando (ou não) glosas e correções harmônicas. Nesse caso, quantos “autores” o texto xz tem? Na forma final, três. Quantas narrativas contém o texto xz? Também três – o primeiro independente; o segundo também independente; e o terceiro, a união dos dois primeiros. A crítica da redação quer descrever e explicar a história da redação de um texto compósito.

CRÍTICA DA TRADIÇÃO: ferramenta que tenta recuperar a história das palavras, dos conceitos e dos temas constantes de uma narrativa. A partir da pergunta metodológica a partir de que o texto foi escrito (crítica literária ou crítica da redação), a crítica da tradição pretende tentar recuperar a fonte traditiva da narrativa como um todo e/ou de seus temas constitutivos. Trata-se de uma forma de tentar resgatar o sentido histórico de um termo a partir da herança semântica de sua história na cultura.

CRÍTICA DOS EFEITOS: ferramenta exegética que tem por objetivo reconstituir a história dos efeitos de uma narrativa – a história da interpretação dessa narrativa. Uma vez que a metodologia histórico-social é eminentemente crítica em sua abordagem, constituindo-se muitas vezes em revisão do sentido como uma determinada narrativa é lida, é tarefa da crítica dos efeitos demonstrar que o sentido que até então era aplicado à narrativa deriva não da intencionalidade original do texto, mas de processos de releitura. Para o fazer, a crítica dos efeitos deve descrever e explicar o momento histórico-social em que se processo a releitura da narrativa, cujo sentido diverge da intencionalidade original descrita e explicada pela crítica literária ou pela crítica da redação.

3. PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS

LEVANTAMENTO SEMÂNTICO-FENOMENOLÓGICO: trata-se do levantamento de todas as ocorrências de uma determinada raiz na Bíblia Hebraica, seguido de uma tentativa de reconstituição do sentido histórico-social do termo. À luz do conjunto fenomenológico das ocorrências, e a partir da perspectiva da crítica da tradição, tenta-se determinar o mais precisamente possível o sentido original de um determinado termo em uma determinada passagem do texto.

ANÁLISE DO DISCURSO: trata-se da postura hermenêutica atenta às intencionalidades antropológico-políticas de uma narrativa. Uma vez que o texto é tomado como instrumento de intervenção social, sua leitura deve considerar cada palavra à luz da intencionalidade de fundo – pressuposta e testada na leitura. Cabe à análise do discurso concentrar-se em ruídos da narrativa – ênfases, estrutura sintática, termos característicos, juízos de valor, idiossincrasias gramático-sintáticas e quaisquer evidências que permitam deduzir a intencionalidade antropológico-política da narrativa. Mais do que em qualquer outro procedimento, a análise do discurso deve levar a sério a pressuposição teórico-metodológica de que textos veterotestamentários pretendem muito mais “fazer com que se faça, dizendo” do que efetivamente “dizer”. A análise do discurso tem por objetivo, portanto, tentar recuperar qual o objetivo original do texto – o que originalmente o texto queria que se fizesse (ou que não se fizesse), constituindo procedimento fundamental da crítica literária.

4. ABORDAGENS TRANSDISCIPLINARES

A metodologia exegética impõe a necessidade de abordagem transdisciplinar dada a caracterização de texto como instrumento de intervenção social. Abordagem transdisciplinar não significa abordagem em cooperação – exegetas fazendo seu trabalho com ajuda de historiadores, sociólogos, antropólogos, cientistas da religião, etc. É também isso, quando o nível da pesquisa exige aprofundamento na especialidade de uma determinada disciplina, como arqueologia, por exemplo. Contudo, falar de abordagem transdisciplinar é falar de uma perspectiva exegética que reconheça e adote as perspectivas de abordagem das disciplinas relacionadas. Um exegeta deve olhar para seu objeto de estudo – o texto à luz de sua caracterização como instrumento de intervenção histórico-social – também com o olhar de um historiador, de um sociólogo, de um antropólogo, de um fenomenólogo da religião. Não se trata de ser historiador, mas de levar em conta a sua perspectiva; não se trata de fazer fenomenologia da religião, mas de considerar os pressupostos da fenomenologia da religião na abordagem exegética.