Como Preparar Sermões Expositivos

John Stott

Havia um pastor episcopal que era muito preguiçoso e há muito tempo já havia desistido de preparar os seus sermões. Sua congregação era de pessoas de pouco cultura, Ele tinha o dom da oratória, de modo que era muito fácil para ele pregar sem qualquer preparação. Além de preguiçoso, ele também era muito piedoso, de modo que racionalizava sua preguiça como muitas vezes os piedosos fazem. Ele fez um voto muito solene: jamais voltaria a preparar os seus sermões, falaria de improviso e confiaria que o Espírito Santo lhe daria o que falar. Por alguns meses, tudo correu muito bem.

Certo dia, faltando 10 minutos para as 11 horas, na manhã de domingo, um pouco antes de o culto começar, quem entra pela porta da igreja? O bispo. Era uma visita de surpresa. Ele sentou-se num dos bancos. O pastor ficou imaginando o que deveria fazer. Não havia preparado o seu sermão. Pensou que podia enganar a congregação, mas sabia que não conseguiria enganar o visitante. Ele foi até ao bispo, cumprimentou-o e lhe disse: “Acho que devo explicar-lhe uma coisa. Alguns anos atrás eu fiz um voto de que nunca iria preparar os meus sermões, mas confiaria no Espírito Santo”. “Está tudo bem”, disse o bispo, compreendendo muito bem a situação. O culto começou, mas, no meio do sermão, o bispo levantou-se e saiu. Quando o culto terminou, o pastor foi para o vestíbulo da igreja. Encontrou sobre a mesa um bilhete com a letra do bispo e nele estava escrito o seguinte: “Eu te absolvo do teu voto”.

Agora quero contar-lhes outra história, desta vez, de um pastor presbiteriano arrogante. Este pastor morava ao lado da igreja. Ele costumava vangloriar-se de que todo tempo que precisava para se preparar era o tempo que gastava para ir de casa à igreja. Você pode imaginar o que os presbíteros fizeram. Mudaram a casa para 8 km de distância. Assim, ele tinha mais tempo para preparar os sermões.

Agora, para os batistas eu queria citar o caso de Spurgeon ter como hábito vir ao púlpito despreparado. Dizer isso de Spurgeon seria um erro imperdoável!

Espero que concordem comigo que temos que preparar nossos sermões. Como fazer isto? É uma questão muito subjetiva. Não há maneira única de preparar sermões. Cada pastor tem que fabricar o seu próprio método. Seria um erro simplesmente copiar um do outro. No entanto, penso que a maioria passa por 5 estágios na preparação depois de ter escolhido o texto. É sobre esses que quero falar-lhes. Vamos partir do princípio de que você já tenha escolhido o texto.

1º. Estágio - Meditar sobre o texto

É necessário ler e reler o texto bíblico. Depois tem que lê-lo e relê-lo mais uma vez. É preciso fazê-lo girar em sua mente, vez após vez. É necessário ruminá-lo como o animal bovino rumina o capim. Sugá-lo como o beija-flor suga a flor. Chupá-lo como uma criança chupa uma laranja, até que não haja mais nada para tirar dela. É preciso preocupar-se com o texto como um cachorro preocupa-se com o seu osso. Essas são algumas metáforas que mostram como você pode envolver-se com o texto.

Talvez você esteja se perguntando: o que significa a palavra “meditar”? Acho que é uma combinação de estudo e oração. Gosto de passar o tempo de meditação ajoelhado, com a Bíblia aberta à minha frente, não porque eu adore a Bíblia, mas porque adoro o Deus da Bíblia. A posição de estar de joelhos é uma posição de humilde expectativa. À medida que eu estudo aquele texto, usando a mente que Deus me deu, estou clamando ao Espírito Santo por iluminação. Meditação é estudo regado com oração.

Conheço pastores que são grandes estudantes. Precisavam ver as suas bibliotecas. As paredes estão cobertas de livros. E sobre suas mesas há pilhas e pilhas de comentários, de dicionários e de chaves bíblicas. Parecem estar sempre afogados em livros. Eu admiro seu estudo, mas eles não oram muito.

Eu conheço pastores que cometem o erro oposto. São grandes homens de oração, mas não estudam muito. Vamos manter juntos estudo e oração. 2 Timóteo 2.7 é um grande texto. Nele, Paulo escreve: “Considera o que digo, porque Deus te dará compreensão em todas as coisas” . Nós fazemos a nossa parte, que é estudar ou considerar, e Deus dá o entendimento. Não devemos separar aquilo que Deus uniu.

Enquanto você medita, é bom fazer perguntas a si mesmo. Pergunte-se: “O que o texto quer dizer?”, “O que o texto diz?”. Primeiro, você estará tratando do significado do texto e, em segundo lugar, você estará tratando da mensagem do texto para o dia de hoje.

Precisamos perguntar-nos as duas coisas. Precisamos perguntá-las na hora certa. Muitos pastores estão tão ansiosos em conseguir uma mensagem para hoje, que não se disciplinam em descobrir o significado do texto, e não chegam a descobrir a sua mensagem para os dias de hoje. Precisamos manter os dois juntos, em equilíbrio.

Não posso falar agora sobre interpretação bíblica, mas quero dar-lhes um princípio básico. Foi enunciado por um homem chamado E.D. Hirsh. Seu livro é chamado “Validade na Interpretação”. Nesse livro ele não trata apenas de intepretação bíblica.

Os princípios são os mesmos quando você interpreta qualquer documento. Pode ser um documento literário, um documento legal ou um documento bíblico. O grande princípio é o seguinte: O texto quer dizer aquilo que seu autor quis dizer. Portanto, a pergunta é: “O que o autor quis comunicar quando ele escreveu?”.

Devemos pensar sobre as palavras e o que elas significaram quando ele as usou. Não podemos interpretar até ouvirmos o que o autor quis dizer com suas palavras. Eu lhes imploro que não omitam esse estágio da sua preparação. É uma disciplina essencial para cada um de nós. Mas também não podemos parar aí.

Uma vez entendido o significado do texto, vamos descobrir o que ele diz para nós hoje. Podemos pensar sobre as pessoas em nossa congregação e nos perguntar: “o que o texto tem a dizer para eles?”. Nesses dois estágios não há qualquer substituto para o tempo.

Dê a si mesmo tempo para meditar. Não corra para pegar os comentários cedo demais. Faça a sua meditação própria, com a Bíblia aberta, de joelhos, usando
a iluminação do Espírito, usando a sua mente. Durante todo esse tempo vá escrevendo seus pensamentos. Não precisa haver uma ordem particular para isso. Qualquer pensamento que venha à sua mente é digno de ser escrito. Aqui chegamos, então, ao segundo estágio.

2º. Estágio - Isole o pensamento dominante

Todo texto tem um tema principal. Devemos meditar sobre ele até que esse princípio central surja. Qual é a ênfase principal da Palavra de Deus nesta passagem? O que Deus está dizendo neste texto? Nosso dever é meditar e orar para penetrarmos neste texto; até que nos submerjamos nele; até que ele passe a controlar a nossa mente e a colocar em fogo nosso coração; e até que nos tornemos servos do texto.

Alguns pregadores não são servos, mas senhores do texto. Eles torcem e manipulam o texto de modo a fazê-lo dizer o que eles querem. Temos que nos arrepender quando fazemos isso com a Palavra de Deus. Devemos permitir que a Palavra de Deus nos controle e não controlar a Palavra de Deus.

3º. Estágio - Prepare o material para ajudar o pensamento dominante

Há duas coisas que vão ajudar nisto. A primeira é negativa e a segunda positiva. Em primeiro lugar, seja impiedoso em rejeitar o que é irrelevante. O que temos diante de nós até agora é uma porção de idéias que, sem pensar, nós escrevemos e aqueles pensamentos dominantes que já deixamos bem claros. Temos agora que colocar em ordem todo esse material de modo que ele se subordine e siga o pensamento dominante.

Muitos de nós achamos essa tarefa muito difícil. Talvez tenhamos idéias cintilantes, talvez tivemos pensamentos abençoados que anotamos no papel e queremos arrastá-los para o sermão de qualquer maneira. Não o faça! Tenha a coragem de deixá-los de lado. Eles se tornarão úteis em alguma outra ocasião. Mas se eles agora não servem ao pensamento dominante, deixe-os fora. Isso exige grande determinação mental. Em segundo lugar, devemos subordinar o material de modo que ele sirva ao tema.Isso me leva a dizer algo sobre estrutura, palavras e ilustrações.

Todo sermão tem que ter uma estrutura. Muitos pregadores, é claro, têm três pontos. É possível ter apenas dois, ou quatro, ou até mesmo 5, como acontece comigo agora. Mas é impressionante a frequência com que nós voltamos aos três pontos. Há uma condição que é essencial para uma boa estrutura: Ela deve ser natural e não artificial.

Alguns de vocês já devem ter ouvido falar de Alexander Maclaren. Foi um grande pastor batista na lnglaterra, no século passado. Algumas de suas exposições da Bíblia ainda são impressas hoje. Ele era especialista nesta estrutura natural. Os amigos costumavam dizer que ele guardava algo em seu bolso. Era um pequeno martelo dourado. Com esse martelo dourado ele batia sobre o texto. À medida que ele batia sobre o texto, esse se abria nas suas divisões naturais. É disto que todos nós precisamos: de um martelinho dourado.

Mudando a metáfora, as divisões do texto têm que se abrir como as pétalas de uma rosa abrindo-se ao sol. É importante que dividamos a Palavra de Deus naturalmente, não impondo uma estrutura artificial sobre o texto.

As palavras também são extremamente importantes. Todos percebemos isso quando temos que mandar um telegrama. Temos apenas 12 ou 15 palavras e passamos muito tempo preparando a nossa mensagem de modo que nossas palavras não sejam mal entendidas.

Cremos que Deus Se deu ao mesmo trabalho. Creio na inspiração verbal da Bíblia, ou seja, que a inspiração se estendeu às mesmas palavras que Deus escreveu. Se as palavras foram tão importantes para Deus, tem que ser importantes para nós.

Não estou sugerindo aqui que leiamos os nossos sermões. Creio, porém, que é uma boa disciplina na nossa preparação, que escolhamos bem as palavras que vamos usar para expressar os nossos pensamentos. Além de exatas, as palavras têm que ser simples. Não tem sentido falar como se tivéssemos engolido um dicionário.

Sejamos simples no nosso palavreado e também vívidos, de modo que as palavras transmitam uma imagem mental às pessoas que estão ouvindo. Quero particularmente exortar os pregadores mais jovens a levarem bastante tempo escrevendo e preparando o sermão. Só depois de termos feito isso durante 5 ou 10 anos é que vamos aprender a colocar os nossos pensamentos em palavras claras.

Agora, as ilustrações. Eu sei que uma das minhas fraquezas na área da pregação é que não uso ilustrações suficientes. A mesma coisa acontece com meus livros. Depois que um dos meus livros havia sido publicado, um amigo me escreveu profundamente crítico quanto àquela obra contendo tão poucas ilustrações: “Seu livro é como uma casa sem janelas; é como um bolo sem frutas”.

Achei que as observações do meu amigo foram muito rudes, mas, infelizmente, elas eram bem exatas. Por isso todos nós precisamos de ilustrações. Qual o propósito de uma ilustração? É tornar concreto o que é abstrato.

Alguns minutos atrás eu escrevia sobre meditação. “Meditação” é uma palavra abstrata. Muitas pessoas nem sabem o que é meditação, de modo que eu tentei torná-la uma palavra concreta. Eu lhes dei quatro imagens sob forma de palavras. Devemos ruminar o texto, como uma vaca rumina o capim. Penetrá-lo, como um beija-flor penetra a flor. Preocuparmo-nos com ele como o cachorro se preocupa com seu osso.

Passamos da vaca para o beija-flor, do beija-flor para a criança, da criança para o cachorro. Cada uma dessas coisas era uma imagem em sua mente. Eu usei essas ilustrações deliberadamente, a fim de transformar o que era abstrato em algo concreto.

Há um provérbio oriental que explica isso: “eloqüente é aquele que consegue transformar o ouvido em olho, de modo que os seus ouvidos possam ver aquilo que ele fala”. Portanto, temos que usar a nossa imaginação, para que as pessoas vejam o nosso pensamento.

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